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“O botequim é importante para o afeto, a sociabilidade e a construção da memória”

Eduardo Freitas, o Preá, reflete sobre importância dos botequins e seus desafios atuais

O engradado de cerveja na porta, a estufa cheia de salgadinhos e o baleiro que gira são imagens associadas imediatamente aos botequins, mas não são a alma que os define. De acordo com Eduardo Freitas, o Preá, esses estabelecimentos, fundamentais para a cultura da cerveja, são importantes por serem espaços de sociabilidade, além de atenderem à classe trabalhadora.

A avaliação foi apresentada por Preá no terceiro episódio da sexta temporada do podcast Hora do Gole, apresentado por Eduardo Sena. E ele pode falar bem do assunto, pois estima já ter visitado mais de 500 botequins por todo o país.

Sociólogo e trabalhando na área de educação, Preá também é referência quando o assunto são os botequins por outras razões: ele é o responsável por um perfil no Instagram que retrata, em imagens, como é a vida nesse tipo de estabelecimento. Além disso, no ano passado, criou um estudo ébrio-etnográfico de botequim por botequim de Copacabana, no Rio de Janeiro, listando 75 estabelecimentos em funcionamento no bairro.

Em parceria com o Hora do Gole, o Guia traz os principais trechos da participação de Preá. Ele compartilha suas experiências pessoais, os desafios enfrentados pelos botequins e apresenta reflexões sobre o futuro desses estabelecimentos.

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Confira as opiniões de Preá e acompanhe o episódio do Hora do Gole na íntegra:

O que é o botequim
Falar que o botequim tem um ovo colorido, comida saborosa e cerveja gelada faz parte de uma alegoria. Isso está longe de definir o que é um botequim. Para mim, ele se encontra no território da experiência subjetiva. O que diferencia um bar de um botequim é quem frequenta, quem se sente pertencente, quem se sente acolhido, quem reconhece aquele território como um botequim.

O espaço do trabalhador
Com exceção de uns 10 territórios no Brasil, como Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e Itaim Bibi, em São Paulo, todo lugar vai ter pelo menos um [botequim], porque tem a ver com o território de classe. Se você tem a classe trabalhadora, operária, pessoas que prestam serviços, estão trabalhando duro das 8h às 18h, é natural, quase condicionado, que surja um pequeno comércio para atender a essa parcela importante da população que sustenta o restante. Aqui no Rio, volta e meia há essa discussão de que o botequim é um território suburbano, que nasceu no subúrbio e que os outros lugares tentam imitar. Eu tenho uma visão contrária a isso, que está exclusivamente relacionada à questão do território de classe. Portanto, se você tem o fluxo de trabalhadores desde cedo, é obrigatório que haja pelo menos um lugar que seja o botequim.

O estudo ébrio-etnográfico sobre botequins de Copacabana
Quando olho para um botequim, não é com os olhos curiosos de um sociólogo, é com os olhos de um consumidor, de alguém que senta ali, toma duas Antarcticas, reflete sobre a vida, fica em silêncio, conversa consigo mesmo, se acalma. Portanto, meu olhar para esse território seria mais uma observação participante do que uma observação exótica, curiosa ou fetichista. E eu tinha preocupações sobre quais botequins ainda estavam abertos durante a pandemia. Pensava no seu Tião, que já tinha 85 anos, e se ele pegasse uma gripe ou a Covid, poderia não resistir. E o bar dele? Eu não podia ir lá porque estava cumprindo a quarentena. Quando a situação mudou, com a vacinação, eu saí e comecei a anotar. Eu tinha um conjunto de dados e pensei em publicá-los como uma maneira de mostrar que essa galera está viva. Então, fiz isso, e os dados foram baseados nos meus critérios de o que é um bar e o que é um botequim. Hoje, há dois a menos, porque fecharam desde o ano passado, mas tínhamos 75 botequins em um conjunto de 50 e poucas ruas. Alguns quarteirões têm 10 botequins, algumas ruas têm oito botequins, há botequins lado a lado, compartilhando a mesma porta.

Publicações sobre botequins no Instagram
Isso começou comigo indo a um botequim em Bonsucesso e tomando duas cervejas, ficando completamente maravilhado com a estética do lugar, com uma geladeira da década de 1930, azulejos e um senhorzinho de 80 anos trabalhando sozinho. Isso é lindo, eu me emociono no botequim. É muito curioso porque, ao começar a dialogar com essas pessoas, percebo que também tenho meu próprio comportamento no botequim. Há botequins em que vou há cinco ou seis anos e ninguém sabe meu nome. Entro, digo bom dia, tomo duas ou três cervejas, geralmente sozinho, e fico atento a todos ao meu redor. Normalmente, não uso fones de ouvido, pois considero falta de educação estar em um ambiente cheio de pessoas e querer ficar isolado com meus fones. Fico ali por um tempo e saio. No entanto, há muitas pessoas que gostam de conversar. Isso entra na questão dos territórios das subjetividades, no que cada um busca e no que cada botequim pode oferecer.

Repercussão das publicações
Quando começo a postar no Instagram, naturalmente começa a ecoar e começam a falar, dialogar, compartilhar e a fazer perguntas. Tenho certeza que isso tem muito mais a ver com as pessoas do que comigo. Porque o território do botequim é extremamente importante para a sociabilidade, a história, a construção da memória e o afeto de muitas pessoas. Era onde compravam balas, onde meu avô pegava leite, onde meu pai pedia para comprar cigarros. Sabemos de todos os problemas que esse território também possui. É um território conservador, às vezes machista, misógino, onde programas sensacionalistas fazem sucesso e todos ficam assistindo. É um ambiente que representa um desafio para a saúde de muitas pessoas em relação ao alcoolismo. Não há nada romântico aqui. É um território contraditório como qualquer outro, assim como a vida em si, mas é um ambiente que transmite muitas coisas para muitas pessoas. Acredito que muitas pessoas perderam o contato com isso, seja por causa da vida que levam, dos lugares que frequentam, e de certa forma, isso se conecta com o que estou registrando.

Os botequins vão acabar?
Existe um fator que é determinante para a possível transformação dos botequins, que é a questão geracional. Eu acredito que para a família do seu Eraldo, dono de um botequim com 76 anos, quando ele falecer, talvez faça mais sentido transformar o estabelecimento em uma drogaria ou algo que hoje seja mais relevante do que era quando o bar foi aberto, há 50 anos. O mercado vai se adaptando para atender às demandas. Lembro-me claramente que quando meu pai queria tomar uma cerveja em casa, ele tinha que levar a garrafa vazia de volta ao mercado, e havia um local específico para a troca do casco: você entregava o casco vazio e pegava um cheio. Se eu contasse a ele que hoje é possível abrir um aplicativo no celular, fazer um pedido e em 20 minutos ter uma cerveja entregue em casa, ele me acharia louco. Também não acho que podemos olhar apenas com um olhar nostálgico, negando a mudança. Muitas pessoas dependem desse negócio para sobreviver. Então, esse fator geracional pode ser desafiador, mas acredito que o espírito dos botequins continuará vivo, porque sempre haverá trabalhadores, a classe operária, pessoas que ralam para sustentar este país. E essas pessoas serão acolhidas em algum lugar. Por exemplo, tenho a percepção, talvez segmentada, de que já tomei muitas cervejas de manhã cedo, na virada da madrugada, em padarias em São Paulo. É um hábito que não é tão comum no Rio, mas em muitos lugares de São Paulo, a padaria assume o papel do botequim. Há muitas bancas de jornal que não fazem mais nada além de vender produtos como cerveja e comida. Então, a banca de jornal se torna um ponto de encontro. Portanto, acredito que esse tipo de comércio em si está sempre propenso a mudanças. E talvez, daqui a 50 ou 60 anos, veremos esse tipo de comércio se transformar ainda mais.

A cerveja artesanal poderá se tornar popular?
Quando se cria um bar de cerveja artesanal, pelo menos nos muitos que já visitei, eles são criados para serem muito diferentes dos bares anteriores. Os festivais de cerveja artesanal também são muito diferentes de outras experiências. Isso não é um problema, mas a pergunta que surge é até que ponto aqueles que desejam ser diferentes, que querem trilhar caminhos distintos, desejam se aproximar dos iguais. Talvez a reflexão seja se o mercado da cerveja artesanal quer se apropriar cada vez mais de um nicho diferente ou se deseja se aproximar do que já existe no mercado. Minha percepção atual é que, cada vez mais, certamente com exceções de ambos os lados, a média parece buscar mercados mais nichados. Acho que a prática de introduzir outros produtos da marca no território do botequim pode ser menos complicado do que as pessoas dizem. Acho que muitas pessoas poderiam facilmente beber uma cerveja de trigo leve ou uma Session IPA, por exemplo.

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