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Caso Backer: Vítima relata luta após 82 dias em coma e perda do sogro

Uma das vítimas da contaminação de cervejas da Backer, Luiz Felippe Teles Ribeiro ainda se recupera das sequelas

As festividades de final de ano costumam ser regadas a bebidas, músicas e comidas para celebrar a passagem de mais uma fase, com o varejo as aproveitando para oferecer promoções, sobretudo na Black Friday. Justamente naquela época, em 2019, para aproveitar os “super descontos”, o capixaba Luiz Felippe Teles Ribeiro não perdeu a chance de comprar caixas de cerveja. Ele não podia imaginar, mas se tornaria, posteriormente, vítima do Caso Backer, o mais trágico da história das cervejas artesanais no Brasil. Mais do que o início de uma fase, enfrentou uma perda e ainda encara a maior batalha da sua vida, com as sequelas da síndrome nefroneural, como relembra em conversa com a reportagem do Guia.

Compradas para o Natal e o Ano Novo, as cervejas também fizeram parte da comemoração do aniversário de Felippe, em 10 de dezembro, quando começou a consumi-las. Poucos dias depois, o engenheiro, hoje com 38 anos, passou a ter ânsia de vômito, diarreia e dificuldade para urinar – eram os primeiros sinais da intoxicação provocada na vítima pelo dietilenoglicol, presentes em rótulos da Backer, como indicou a investigação do caso.

Seu sogro, Paschoal Demartini, também manifestou esses sintomas e se tornou uma vítima fatal no início de 2020, quando Felippe já estava em coma e sua esposa começava a descobrir que as cervejas da Backer estavam contaminadas, provocando os danos que levam o seu marido a lutar, desde então, para se recuperar das sequelas – o que incluiu, inicialmente, a perda de movimentos e da audição, além de uma paralisia facial.

Recentemente, a Backer anunciou a volta da fabricação e da venda de cervejas. Para o engenheiro, a notícia traz “indignação e revolta”, mas, pelo lado racional, também provoca esperança. “Que o faturamento dessa comercialização seja tanto para manter os empregados, quanto para honrar com os compromissos junto às vítimas. Espero encarecidamente que a justiça seja feita”, falou Felippe ao Guia.

Em setembro de 2020, o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) denunciou à Justiça os três sócios-proprietários e sete responsáveis ​​técnicos da Backer em função da contaminação. Houve, ainda, o indiciamento de uma 11ª pessoa por ter realizado declarações falsas durante as investigações. O consumo da bebida adulterada provocou dez mortes, sendo as duas últimas em julho de 2020. Felippe é uma das outras 29 vítimas.

Leia também – Caso Backer: Volta esperada e legítima juridicamente, mas sob desconfiança

Confira abaixo o depoimento de Luiz Felippe ao Guia sobre o Caso Backer e a sua luta desde o consumo da cerveja contaminada:

O consumo
Me mudei para Belo Horizonte em 2019 e passei a consumir a cerveja desde que cheguei à cidade. Em novembro, na Black Friday, comprei 7 caixas da Belorizontina, da Backer. Comecei a tomar no dia 10 de dezembro, no meu aniversário. E a compra também já foi para as festividades de final de ano – tanto meu aniversário, quanto o Natal e o réveillon –, época em que iria receber o meu sogro, sogra e cunhado aqui em casa, e assim foi. Em 22 de dezembro, meu sogro chegou para as festividades de final de ano e fizemos um churrasco. Eu consumi uma grande quantidade da cerveja Belorizontina. O meu sogro também consumiu.

Intoxicação e internação
Entre os dias 23 e 24 [de dezembro de 2019], eu comecei a passar mal. Sentia dores abdominais, vômitos e diarreia. No dia 26, fui para o hospital e só retornei para a minha casa cinco meses e meio depois. O meu sogro foi internado em 27 de dezembro de 2019, com os mesmos sintomas que eu havia sentido. Ele foi a óbito em 7 de janeiro de 2020. Eu estava em coma.

O coma e a descoberta da contaminação
Foram 82 dias em coma. Com isso, a minha esposa Camila começou a investigar o que poderia ter ocorrido e foi feita a necropsia do meu sogro. A minha esposa, junto com a esposa do Cristiano [Cristiano Mauro Assis Gomes, que também foi vítima de intoxicação por dietilenoglicol, provocada pelo consumo da cerveja da Backer], também estava internado. Elas, por um acaso, se encontraram, trocaram telefones e começaram a investigar o que tinha em comum na casa de um e de outro. Chegaram ao denominador comum que foi a cerveja. Enquanto isso, na necropsia do meu sogro, descobriram mono e dietilenoglicol no organismo dele. Imediatamente fizeram exames comigo e encontraram a mesma substância. É a substância encontrada na cerveja que a gente tinha aqui dentro de casa, a Belorizontina. Nesses 82 dias em coma eu fiquei tendo alucinações. Vivendo uma outra realidade. Acordei já no quarto, já tinha passado por UTI, CTI… Sem saber ao certo o que era real ou o que era o delírio que eu havia vivido durante o coma.

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De volta à realidade
À medida que eu fui voltando à realidade, a minha esposa me contou tudo o aconteceu. Já era maio de 2020 quando eu fiquei sabendo o que aconteceu comigo e com o meu sogro, porque eu estava no hospital. Tinha passado cinco meses.

Em 19 de maio de 2020, tive alta e montamos um hospital aqui dentro de casa. Ainda de cama, sem movimentar nada, absolutamente nada. Perdi todos os movimentos e iniciei o processo de fisioterapia e fonoaudiologia. Tinha médicos e enfermeiros aqui dentro de casa. E tudo isso custeado pelo plano de saúde. A cervejaria [Backer] não colaborou de nenhuma forma.

As sequelas e a recuperação

Aos poucos, os movimentos foram voltando, com trabalho de fisioterapia e fonoaudiologia. Como uma sequela permanente, perdi 100% da audição e fiz um procedimento chamado implante coclear, que vai me dar a possibilidade, através de aparelhos, de ouvir, mesmo com certa dificuldade. Ainda estou no período de adaptação e voltei a escutar as pessoas em 27 de novembro de 2020. É recente, a adaptação é de 12 meses

Luiz Felippe Teles Ribeiro, vítima do Caso Backer


Ainda não consigo distinguir músicas, por exemplo. Tenho dificuldades [de escutar] quando uma pessoa fala do outro lado da mesa ou não está próxima a mim. Então, ainda estou no processo de adaptação. A gente não sabe como vai ser ao final de um ano, sobre ouvir melhor ou não. Como a televisão, por exemplo, que tenho dificuldade de compreender. Eu escuto o barulho, mas não compreendo. Tenho hoje ainda a paralisia facial completa, que é bem nítida, não consigo fazer as expressões como assustado ou bravo. O sorriso ainda está bem travado. Nas minhas mãos, eu não fecho [flexiono] os dedos indicadores. Eu não consigo fazer o L com os polegares porque não consigo abrir ainda, mas a gente está trabalhando na fisioterapia.

Passei por traqueostomia, colostomia, gastrostomia. Fiz hemodiálise também, mas hoje, graças a Deus, não preciso mais. E hoje também tenho o que chamam de síndrome do pé caído. O meu pé não faz o movimento para cima. Segundo a neurologista que me atende desde que fui internado, o prazo para a recuperação neurológica é de 2 anos e meio. Hoje uso órteses nos pés para conseguir andar e o faço com o auxílio de muletas. Em todo esse período, teve muitas coisas acontecendo, mas graças a Deus estou aqui conseguindo falar e te ouvindo, mesmo pedindo para você repetir algumas vezes [risos]. E só gratidão por tudo que tem ocorrido de bom na minha vida desde que tive esse intercalço.

O retorno da produção e comercialização da Backer
A indignação, eu não posso deixar de expressar pela volta da comercialização de uma cerveja dessa cervejaria que causou um dano na vida de muitas famílias, né? Isso me traz um sentimento de indignação e de revolta. Mas isso é emocional. Racionalmente, espero realmente que eles cumpram aquilo que estão dizendo, que o faturamento dessa comercialização seja tanto para manter os empregados deles quanto para honrar com os compromissos junto às vítimas. Espero encarecidamente que isso seja feito. E que a justiça seja feita.

Em negociação
Enquanto Felippe esteve internado, as despesas médicas foram custeadas pelo plano de saúde da Unimed. O primeiro acordo entre Felippe e a Backer só aconteceu após a saída dele do hospital. Segundo o seu advogado, Claudio Diniz Jr., o acordo não é indenizatório, mas para necessidades emergenciais, uma espécie de auxílio financeiro para custear as despesas médicas durante a recuperação da vítima pela intoxicação.

Após a alta de Felippe, o Ministério Público de Minas Gerais propôs uma ação civil pública das vítimas de intoxicação contra a cervejaria. A ação ainda corre na Justiça mineira, envolvendo as demais vítimas do caso. Entretanto, Felippe, Paschoal e Cristiano iniciaram ações individuais contra a Backer. Procurada pela reportagem do Guia, a cervejaria não respondeu aos pedidos de entrevista.

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