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Concurso Brasileiro é acusado de ter na gestão envolvido em atos racistas; Ablutec nega

Evento é considerado o principal concurso cervejeiro da América do Sul e realizará a décima edição em 2022

Os casos de racismo e misoginia ocorridos dentro do setor de cervejas artesanais em 2020 ainda são uma ferida que não se fechou. Nos últimos dias, o coletivo AfroCerva, a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) e 12 cervejarias, incluindo a Ambev e o Grupo Heineken, se manifestaram contra a presença de um dos personagens desses atos de racismo na organização do Concurso Brasileiro de Cervejas (CBC). Responsável pelo evento, a Associação Blumenauense de Turismo, Eventos e Cultura (Ablutec) nega que um dos profissionais acusados de envolvimento nos casos esteja participando da preparação e execução do campeonato cervejeiro.

O reacendimento das fissuras envolvendo os incidentes dentro do setor se deu a partir de 17 de novembro, na semana em que se celebrava o Dia da Consciência Negra. Na data, o coletivo AfroCerva publicou a sua Carta Aberta ao CBC e ao Mercado Cervejeiro. Nela, relembrava os acontecimentos de 2020 e relatava a presença na comissão organizadora do Concurso Brasileiro do próximo ano, quando será realizada a décima edição, de um profissional envolvido nos atos.

Leia também – Artigo: “Estou tentando me curar e lutando por justiça”

“A AfroCerva vem através desta carta aberta manifestar seu repúdio e sua indignação com a organização do Concurso Brasileiro de Cerveja 2022, que tem entre os componentes da sua comissão organizadora, um dos envolvidos nos ataques racistas de 2020. Cobramos um posicionamento da organização, dos patrocinadores e apoiadores, bem como de todos os atuantes e envolvidos com o mercado cervejeiro. Este mercado, assim como a sociedade, não pode mais ser condescendente com racismo, homofobia, machismo e demais formas de preconceitos”, afirmou o coletivo em um trecho da nota, destinada à organização do Concurso Brasileiro.

Criado em julho de 2020, o coletivo busca unir profissionais negros, tendo o objetivo de ser uma frente que busque equidade racial dentro do mercado cervejeiro. E congrega, hoje, cerca de 30 profissionais. A AfroCerva ganhou mais visibilidade dias depois da sua criação, com a eclosão de uma crise no segmento de cervejas artesanais diante da divulgação de mensagens de teor machista e misógino publicadas em um grupo de WhatsApp.

Semanas antes, o alvo de comentários preconceituosos nas redes sociais havia sido a Implicantes, que se autointitula a primeira fábrica cervejeira negra do Brasil e que recebeu ataques em meio a um crowdfunding realizado para assegurar a sua sobrevivência durante a pandemia. Posteriormente, a marca e a sommelière Sara Araújo foram alvos de comentários jocosos e preconceituosos no grupo Cervejeiros Illuminati, que era composto por várias figuras relevantes do setor.

A revelação das mensagens publicadas no grupo provocou, à época, a renúncia de toda a gestão da Abracerva, incluindo a do seu presidente, Carlo Lapolli. E é um dos membros participantes do Cervejeiros Illuminati que a AfroCerva, depois seguida pela Abracerva e por um grupo de 12 cervejarias, se refere, reclamando do suposto acolhimento desse profissional pelo maior concurso cervejeiro da América do Sul.

À época da publicação do texto pela AfroCerva, a reportagem do Guia entrou em contato com a organização do evento. Ela negou a presença de um profissional acusado de racismo ou injúria racial, assegurando que haveria um desligamento sumário caso tomasse conhecimento de algum ato do tipo envolvendo pessoas relacionadas ao Concurso Brasileiro. “Se tiver alguma pessoa que está respondendo por alguma coisa referente a isso, vai ser afastado no minuto seguinte”, disse Develon da Rocha, presidente da Ablutec.

A organização do Concurso Brasileiro, porém, ignorou os pedidos da reportagem para ter acesso a uma lista com o nome dos organizadores do evento e de seus jurados. E optou por não responder aos pedidos de esclarecimento da AfroCerva. Cobrou, ainda, que o nome do profissional alvo da acusação tivesse o seu nome tornado público. “Eles precisam falar quem é a pessoa, precisam dar o nome”, afirmou Develon.

“Quem vai decidir quando os jurados serão anunciados somos nós, com todo respeito. Vamos divulgar os jurados quando necessário. Eles vão vir de 13 países, fizemos convites, mas ainda estamos recebendo as aceitações ou não”, acrescentou o presidente da Ablutec.

Abracerva e mais 12 cervejarias se mobilizam
Às manifestações da AfroCerva, somaram-se pedidos de esclarecimentos da principal associação do setor de cervejas artesanais do país – a Abracerva – e de 12 cervejarias, incluindo as duas maiores do mundo, a Ambev e o Grupo Heineken. A nota do grupo também é assinada por Avós, Água de Bamba, Dádiva, Hocus Pocus, Noi, Cevaderia, Farra Bier, Flamingo Beer & Co., StartUp Brewing Co. e Three Hills.

O documento destaca que, nesse momento e diante do contexto atual, nenhuma dessas cervejarias pretende participar do Concurso Brasileiro, seja cedendo profissionais para atuar como jurados, por exemplo, ou inscrevendo seus rótulos para serem avaliados, concorrendo a medalhas.

“Por ora, respeitando integralmente nosso compromisso com a equidade racial e de gênero, principalmente dentro do ecossistema cervejeiro, optamos pela não participação de nenhum de nossos colaboradores ou especialistas no concurso e pela não participação com envio de amostras a serem avaliadas”, disseram as cervejarias no comunicado.

Em nota enviada à reportagem do Guia, a Ambev destacou “a importância, urgência e seriedade do tema”, o que provocou a mobilização da sua equipe de cultura e conhecimento cervejeiro para apresentar a demanda perante os organizadores do Concurso Brasileiro em conjunto com outras 11 companhias.

“O objetivo é reforçar que, enquanto parte do ecossistema cervejeiro, precisamos desse canal de diálogo, escuta e entendimento sobre a condução da parceria entre o CBC e o envolvido em acusações de racismo e discriminação de gênero. Assim, esperamos agilidade e seguimos com o nosso compromisso com a equidade racial e de gênero no mercado cervejeiro”, afirmou a Ambev.

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A Abracerva, por sua vez, destacou em sua nota que o Concurso Brasileiro de Cervejas “tem, comprovadamente, entre os componentes da sua comissão organizadora, um dos envolvidos nos ataques de 2020”. E ressaltou a defesa dos interesses dos associados para cobrar explicações dos organizadores do evento.

A associação ainda recordou as mudanças realizadas na sua gestão após a revelação das mensagens do ano anterior. “Devido a acontecimentos esta associação realizou profundas mudanças em sua diretoria, já que não compactuou à época e não compactua com esses tipos de práticas e ações que não contribuem para a criação de um mercado cervejeiro maduro e produtivo muito menos para uma sociedade sem preconceitos e qualquer forma de discriminações”, disse, cobrando explicações do Concurso Brasileiro.

“A Abracerva através desta nota quer respostas de como são tratadas as questões raciais e de gênero dentro do âmbito do CBC, dos seus integrantes, patrocinadores e apoiadores”, acrescentou a associação.

Como resposta à nota da Abracerva, a Ablutec assegurou, mais uma vez, não existir na organização do Concurso Brasileiro nenhum profissional relacionado aos episódios de preconceito ocorridos em 2020. “Não há na coordenação da instituição pessoa relacionada aos episódios que a Abracerva menciona. A coordenação-geral é da presidência da entidade e o Senac/SC responde pela coordenação técnica, estratégica e de logística do Concurso Brasileiro de Cervejas (CBC).”

A associação alegou ser de sua livre escolha a definição de quem vai trabalhar no evento. E assegurou que jamais optaria por profissionais que estejam envolvidos em casos de racismo na organização do Concurso Brasileiro. “A Ablutec resguarda-se no direito de selecionar seus colaboradores ou prestadores de serviços, mas jamais aceitaria contratar alguém que respondesse – ou já tivesse sido denunciado – pelo crime de racismo ou injúria racial ou outro delito que atente contra a imagem dos eventos e de seus expositores e frequentadores.”

Para a Abracerva, agora, o momento é de entender o que está acontecendo. E de acompanhar os próximos passos na Justiça do caso envolvendo Sara e a divulgação da relação dos participantes na organização do Concurso Brasileiro, uma demanda da associação.

“Foi cobrado um posicionamento da Abracerva, fizemos isso. E eles nos responderam, de uma forma corporativa”, contou Giba Tarantino, diretor e conselheiro da Abracerva, ao Guia. “Agora precisamos aguardar, entender como o processo avança, que caminho segue. Houve cobrança para que se passasse os nomes dos organizadores, mas isso parece que eles não vão fazer.”

O concurso
A organização do Concurso Brasileiro prosseguiu com os preparativos do evento – marcado para março de 2022 – enquanto recebia os questionamentos. E relatou que teve 318 cervejarias e 2.358 amostras cadastradas na primeira fase de inscrição para o campeonato cervejeiro em Blumenau. “Um incremento de 21% nas cervejarias e 2% nas amostras, em comparação com a mesma etapa de 2021”, detalhou o CBC nas redes sociais.

Além disso, seus gestores prometeram que as próximas edições do Concurso Brasileiro e daqueles que compõem a agenda de eventos cervejeiros praticamente simultâneos em Blumenau (SC) contarão com uma área de compliance.  

“Os próximos eventos cervejeiros de Blumenau – Concurso, Feira, Festival e Congresso Internacional – serão regidos por uma área de compliance, inédita neste setor no país. Surgido nas corporações norte-americanas na virada do século XX, trata-se de um conjunto de disciplinas a fim de cumprir e se fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem como evitar, detectar e tratar quaisquer eventuais desvios ou inconformidades”, disse o Concurso Brasileiro.

A iniciativa também foi tema da resposta da Ablutec ao texto enviado para as 12 cervejarias. “Nossa preocupação com os temas relacionados à inclusão social demandaram a decisão por criar uma área de compliance para os eventos cervejeiros que promovemos, além de focarmos em aspectos de governança, meio ambiente e sustentabilidade.”

Alguns profissionais que cobraram explicações do Concurso Brasileiro, no entanto, questionaram como estaria sendo aplicada essa nova política de compliance. “Não tem como fazer compliance sem transparência”, disse Paulão Silva, membro da AfroCerva e da comissão de ética da Abracerva.

Ao grupo de 12 cervejarias, em texto assinado por Develon, a Ablutec também apontou que casos de racismo nunca aconteceram no Concurso Brasileiro e que as ocorrências de 2020 não possuem qualquer vínculo com o seu evento. E voltou a negar a presença de um profissional envolvido nelas em sua organização.

“Não há entre a comissão organizadora ou entre os profissionais externos dedicados à próxima edição do CBC qualquer pessoa que responda criminalmente por racismo ou injúria racial e seguramente não toleraríamos tal situação”, destacou a nota.

O processo
Ocorridos em agosto de 2020, os comentários de tom racista contra Sara em um grupo de WhatsApp ainda não se transformaram em processo na Justiça. Porém, ocorreu a instauração de um inquérito policial. Nesse momento, os investigadores buscam entrar em contato com os envolvidos para realização de oitivas, algo que tem ocorrido a passos lentos.

“Como nós não temos os endereços deles, estão sendo expedidos ofícios para as companhias telefônicas para descobrir os endereços e, após isso, enviar a carta de intimação”, relatou Jeferson Rodrigues, advogado da sommelière.

Esta será, assim, a fase que determinará se o caso terá a abertura ou não de um processo, a partir de uma avaliação do Ministério Público, que reunirá provas para avaliar o eventual crime e a posterior apresentação de uma denúncia. Jeferson defende que sejam apresentadas denúncias por racismo e injúria racial contra profissionais que participavam do Cervejeiros Iluminati e estavam envolvidos nos comentários contra Sara.

1 Comment

  • Eduardo Reply

    16 de fevereiro de 2022 at 07:34

    Título da reportagem no google: “Concurso Brasileiro é acusado de ter envolvido em racismo”
    Podemos afirmar então que o concurso ganha qualquer tipo de ação na justiça, pois quem acusa deve provar com fatos. Além de estar sendo acusado, o concurso também pode alegar danos e prejuízos, pois resolveram vincular publicamente o evento em uma acusação de racismo.
    O fato é que até o CEO do Brewers Association pede união ao setor, mas… muitos preferem se filiar a AMBEV e levantar questões contra o maior festival de cerveja da América Latina.
    A pergunta é: Quem são os principais interessados em “ferrar” com o empreendedorismo nesse setor? As megas cervejarias a gente já sabe, mas até a Abraceva e Afrocerva querem isso? O teor da reportagem claramente diz que sim.
    Todos perdem, menos as megas.

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