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Entrevista: A mulher toma a cerveja que quiser e isso não pode ser tirado de nós

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Beatriz Cury, da Cervejaria Nacional, ressalta que mulheres têm o direito de escolha e não se limitam a categorias como "cerveja de menina"

Mulheres tomam cervejas fracas ou fortes, mais comuns ou diferentes, porque têm o direito da escolha. Eis uma ideia que poderia até parecer banal em 2020, quase redundante por retratar o que deveria ser o óbvio. Mas o óbvio, claro, não é a especialidade deste ano. Ainda mais em um país vitimado por uma das maiores crises éticas de sua história, um Brasil que legitima diariamente – sob os aparentes aplausos de seus principais governantes – os mais variados tipos de agressões e violências contra as minorias.

Reproduzir em forma de expressão coloquial preconceitos já sedimentados no seio social é uma das manifestações mais corriqueiras desse tipo de violência. Ainda que sob o tom da galhofa, do suposto ar de sarro, tais “brincadeiras” carregam um peso histórico inesgotável, vivo ao ainda desconstruir o horizonte de oportunidades e possíveis reparações para uma minoria. Um peso escancarado recentemente no mercado cervejeiro, que viu uma IPA da Cervejaria Nacional ser desqualificada por ser uma “cerveja de menininha”.

Artigo – Cilene Saorin avalia o histórico de preconceitos contra a mulher na história da cerveja

Para falar um pouco mais sobre a participação feminina no mercado cervejeiro e os preconceitos que ainda precisam ser superados, o Guia entrevistou Beatriz Cury, supervisora comercial e de marketing da Cervejaria Nacional. E, embora já tenha lamentado publicamente o episódio, ela garante que o caminho conquistado pela mulher no setor não tem volta.

“Nós, mulheres, temos provado que tomamos cervejas fracas ou fortes, mais comuns ou diferentes, porque temos o direito da escolha e isso não pode ser tirado de nós. Como dizemos sempre: ‘cerveja de mulher é qual ela quiser’ e fim de papo”, resume.

Confiante de que novos espaços se abrirão, a executiva da Cervejaria Nacional também analisa como o preconceito pode ser minimizado no setor. Detalha, ainda, o projeto Musas de Verão, criado pela marca para aumentar a participação feminina no mercado. E faz uma avaliação: qual o peso histórico de uma expressão como “cerveja de menina”?

Confira, a seguir, a entrevista completa com Beatriz Cury, supervisora comercial e de marketing da Cervejaria Nacional.

De maneira geral, como você avalia hoje a participação da mulher no mercado cervejeiro?
Minha percepção da mulher no mercado cervejeiro hoje é otimista, vejo que cada vez mais estamos garantindo espaço. Há muitas mulheres à frente de negócios, trabalhando em diversas áreas como produção, administração (vendas, marketing, logística, compras e etc.), comunicação, eventos, educação cervejeira, serviço, pesquisa. E muitas mulheres procurando cursos para se especializarem mais no universo cervejeiro. Mas ainda há um espaço maior a ser conquistado, estamos em processo e isso vem mudando aos poucos. Vejo muitas mulheres que gostariam de trabalhar, mas que por falta de conhecimento de que podem, medo ou até mesmo por serem reprimidas por homens, não tentam.

Existe ainda muito preconceito e falta de espaço ou, aos poucos, há um processo de consolidação da presença feminina?
Acredito que, aos poucos, com essas questões sendo cada vez mais abordadas e as empresas entendendo essa necessidade de abrir mais espaço, há um crescimento na atuação das mulheres e de outras minorias. Mas vemos também que ainda há um preconceito tanto na área profissional quanto no consumo, que ainda precisa ser combatido e é o que muitas pessoas têm buscado e lutado para que mude. Como exemplos, muitas cervejarias têm destacado e valorizado mulheres, como profissionais e consumidoras em cervejas colaborativas, promovendo eventos de degustação para mulheres e falando mais sobre essa inclusão no mercado. Veículos de comunicação comentam mais sobre a importância da mulher e dão espaço para mulheres inspirarem outras. E, também, vemos boa parte de quem participa do mercado unida contra atitudes e falas machistas, que ainda existem. Aos poucos pequenas atitudes vão construindo e consolidando um espaço de fala e atuação da mulher.

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Qual o significado histórico de uma frase como “cerveja de menina”? O que tal conceito revela e projeta sobre o mercado cervejeiro? Existiria de fato uma “cerveja de menina”?
“Cerveja de menina” traz à tona toda a tentativa de diminuição que a mulher vem sofrendo ao longo dos anos por conta do machismo estruturado na nossa sociedade. Pessoas têm usado o termo para descrever uma cerveja “leve/fraca” do ponto de vista de álcool, corpo e amargor, como se não fôssemos capazes de beber cervejas “mais fortes”. Isso implica que nos foi determinado isso e que não temos o direto de escolha. E, também, como se fosse uma capacidade honrosa que não temos – o que não faz sentido e provoca ainda mais a desigualdade de gênero. Assim como ocorre em outros âmbitos da vida, em que a maioria das mulheres precisa lutar incansavelmente para mostrar que é capaz de fazer o mesmo que os homens dizem ser exclusividade deles e precisa de diversas tentativas para ser ouvida, se formos ouvidas.

Como esse machismo veio se estruturando no setor?
Essa noção de “exclusividade masculina” foi reforçada historicamente em propagandas de cervejas em que nossa participação se deu apenas como objeto de desejo e não como consumidoras ou mesmo profissionais envolvidas com o produto em sua totalidade. De qualquer forma, beber cerveja “forte” não torna ninguém melhor, mais importante ou mais sábio, não é uma competição. Podemos escolher o que queremos beber, sem pré-julgamentos – são nossas escolhas e estas devem ser respeitadas. Nós, mulheres, temos provado que tomamos cervejas fracas ou fortes, mais comuns ou diferentes, porque temos o direito da escolha e isso não pode ser tirado de nós. Como dizemos sempre: “cerveja de mulher é qual ela quiser” e fim de papo.

A Cervejaria Nacional organiza anualmente o Musas de Verão, um importante projeto de apoio à participação feminina no setor. Em que consiste exatamente o projeto, quando ele surgiu e qual a sua importância para o setor?
O Musas de Verão é um projeto que consiste em convidar todo ano, entre o mês de fevereiro e março, duas mulheres do mercado cervejeiro para produzir 500 litros de cerveja de estilo escolhido e produzido por elas. Começou em 2012, no segundo ano da casa, e desde então temos feito todos os anos. O objetivo principal é mostrar que cerveja não é e nunca foi assunto exclusivo de homem, e valorizar as mulheres que atuam direta ou indiretamente com cerveja. Alguns dos grandes nomes do mercado já participaram e acabaram inspirando e encorajando muitas outras mulheres a adentrarem profissionalmente, não só na área de produção. Sentimos como cervejaria artesanal nosso compromisso em levar para mais pessoas esse assunto e expandir essa corrente de inclusão. Temos feito um trabalho também no sentido de tornar o bar um local menos nocivo para as mulheres consumidoras. Fazemos campanhas para elas se sentirem mais à vontade e seguras no ambiente e poderem se divertir e tomar a cerveja que quiserem com tranquilidade.

A partir de importantes iniciativas como o Musas de Verão, você tem esperança de que o futuro do setor possa ser mais inclusivo com as mulheres?
A cerveja artesanal veio como forma de “contracultura” se me for permitido descrever assim, uma revolução no mercado de cervejas. E nada mais literal e natural que este mercado seja acolhedor de todas as minorias, que seja inclusivo e que exponha as desigualdades a serem combatidas. Mas ainda precisamos ser cada dia mais inclusivos. Precisamos de mudanças com base em educação transformadora em todas as pontas. Educar consumidores, bares, cervejarias, veículos de comunicação e todos os envolvidos direta ou indiretamente. Nos bares, as mulheres querem se sentir seguras, acolhidas e ouvidas. Elas também precisam saber que podem pedir o que quiserem e se permitirem a experimentar aromas e sabores novos.

O que falta para o setor acolher mais as mulheres e quais erros devem ser evitados para que ocorra essa evolução?
No âmbito profissional, precisamos de mais mulheres participando de todas as áreas das cervejarias, bares, educação cervejeira e em outras empresas ligadas à cerveja artesanal. É preciso que estes locais forneçam mais espaço e destaque para elas. Mulheres precisam saber que elas têm abertura nessas empresas para seguirem a carreira que quiserem. Do ponto de vista da comunicação, as empresas precisam se posicionar contra comentários e atitudes machistas, ajudarem a mostrar que estão errados e que estes não podem continuar. Precisamos falar sempre de inclusão, comentar e expor problemas socioculturais que afetam diretamente minorias. Só assim podemos ser exemplo e a mudança que acreditamos, evitando esses erros cotidianos de até mesmo ignorar ou replicar comentários e atitudes que reforçam que a mulher não é capaz, tanto de beber quanto de atuar e de serem donas de suas próprias histórias.

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