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Balcão da Nadhine: Vienna Lager, México e Hungria, qual a conexão?

Recentemente, fui convidada para julgar no Austrian Beer Challenge, um concurso super bem organizado, que transmitiu a dicotomia entre a tradicional escola alemã de cerveja e a tentativa das cervejarias modernas de mergulharem no universo dos beer geeks com os estilos mais em alta no Novo Mundo.

A experiência de beber uma Viena Lager perfeita in loco foi impressionante. Essa Lager lupulada, de cor âmbar, com um caráter maltado, mas suave e elegante, seca no final e fácil de beber litros, tem muitas semelhanças com a sua prima popular Märzen. Não à toa, foram lançadas no mesmo ano por dois amigos.

A criação do estilo de Viena é até hoje atribuída a Antal Dreher (1810-1863) herdeiro da família Dreher, dona da maior cervejaria do Império Austro-Húngaro.

Dreher aprendeu a ciência da fabricação de cerveja em Simmcring, perto de Viena.  Mais tarde, junto com seu amigo Gabriel Sedlmayr, criador da Märzen, que um dia assumiria a Cervejaria Spaten, de sua família, em Munique, estudou e trabalhou em cervejarias de Munique e Londres.

Reza a lenda que Antal usava uma bengala oca para tirar amostras de cervejarias e estudá-las depois. Após ganhar experiência no exterior, ele assumiu a cervejaria Klein-Schwechat, de seu pai, em 1836, renovando e expandindo a cervejaria. Foi o responsável pela introdução da tecnologia de baixa fermentação na cervejaria e criou o tipo de cerveja Vienna Lager, em parte com a ajuda de experiências que teve durante suas viagens, já que a novidade das duas novas Lagers baseava-se nos seus maltes, que eram secos à maneira britânica, com ar quente em vez de calor direto. Por esses feitos, era chamado de “The Beer King”.

Uma mini estátua do artista Mihály Kolodko representando Antal Dreher pode ser encontrada hoje dentro do enorme complexo da Dreher, em Budapeste, sendo a única entre as dezenas de mini estátuas do artista espalhadas pela cidade que fica dentro de uma área privada.

O Beer King comprou a cervejaria Kőbányai Serház Társaság, de Jakab Perlmutter, mestre-cervejeiro de Budapeste, em 1862, que enfrentava a concorrência checa, austríaca e bávara. Também comprou terrenos adicionais para expansão, mas o cervejeiro morreu inesperadamente um ano depois, com apenas 53 anos. Esperou que o filho concretizasse as suas ideias. Antal Dreher Filho tinha apenas 14 anos quando seu pai morreu, e assumiu a gestão das quatro cervejarias Dreher (Schwechat, Kőbánya, Triest e Michelob) apenas em 1870.

Como eu já contei na história da cerveja na Hungria, após a Segunda Guerra Mundial, em março de 1948, a propriedade da família na Hungria foi nacionalizada*. Mas a história da Viena Lager não parou por aí.

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No final do século XIX, os europeus estavam em processo de imigração em massa para a América, atraídos pelas oportunidades oferecidas no Novo Mundo. Com o fim do Império Austro-Húngaro, várias pessoas migraram também dessa região.

Ainda houve, durante a intervenção francesa na região que hoje corresponde ao México, a instalação do arquiduque da Áustria, Ferdinand Maximilian Joseph Habsburg, como imperador, o que trouxe uma segunda leva de imigrantes austríacos para a América Central.

Apesar de alguns escritores discordarem sobre a produção de Viena Lager no México, é inegável a possibilidade de que alguns dos que deixaram a Áustria tenham sido cervejeiros que dominavam os processos desse estilo.

E apesar de ocuparem uma área que ainda era desprovida de uma cultura cervejeira da forma como era conhecida na Europa, muitos tentaram empregar suas tradições cervejeiras e recriar seus amados estilos de cerveja. Com a diferença de clima, em uma temperatura muito mais quente, não tiveram sucesso. A qualidade da cerveja Lager foi prejudicada até que a refrigeração se tornou mais difundida na década de 1880, um momento histórico, quando as primeiras cervejarias de produção em massa de cerveja de baixa fermentação começaram a surgir no México, assim como no Brasil.

Santiago Graf (1845-1904), um cervejeiro suíço imigrante, comprou a Compania Cervecera Toluca y México, originalmente uma pequena produtora de cerveza sencilla, uma forma de cerveja leve, do também suíço Ausgustin Marendazand, e começou a fabricar uma cerveja âmbar popular, que é frequentemente citada como a primeira cerveja de sucesso comercial na região. Com as dificuldades de usar as práticas de fabricação de cerveja Lager, ele decidiu criar cervejas com levedura de alta fermentação. Esse processo resultou nas primeiras cervejas de qualidade produzidas no sudoeste dos EUA.

Em algum momento, Graf investiu em uma máquina de gelo importada da Alemanha para conseguir criar as Lagers que queria, incluindo uma reinterpretação do estilo Vienna no Novo Mundo.

Com essa base de cultura cervejeira, o México se tornou conhecido por ser o responsável pela continuação do estilo. Mesmo que sejam produzidas, hoje, cervejas mais adaptadas ao mercado mexicano, tomar uma cerveja de caráter maltado, fresca, leve e fácil de beber ainda é parte do cotidiano no país.

Algumas das novas cervejarias artesanais que hoje se inspiram nas Lagers tradicionais, muitas vezes produzem inspiradas nas Vienna Lagers conhecidas de origem americana ou mexicana, como a Devil’s Backbone Vienna Lager, a Sierra Nevada Vienna e a Negra Modelo Lager.


*Em 1993, a Dreher tornou-se membro do grupo South African Breweries (SAB), e em 2017, tornou-se parte do grupo japonês Asahi. Atualmente, a Dreher não inclui a Vienna Lager em suas cervejas de linha.


Nadhine França foi a primeira mulher a ocupar a presidência executiva da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), também sendo responsável pela criação e coordenação do Núcleo de Diversidade. É analista de sistemas, cervejeira, beer sommelière, Cicerone Certified Beer Server, juíza internacional de cerveja, organizadora de eventos, concursos e congressos cervejeiros. Hoje mora em Budapeste.

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