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Balcão do Profano Graal: O Halloween e as cervejas de abóbora


Neste domingo, se comemora o Halloween. E, junto com o Halloween, vêm as cervejas de abóbora (ou Pumpkin Ales), muito populares nos Estados Unidos. Na coluna deste mês, vamos saber um pouco mais sobre a relação entre essa data tradicional do calendário comemorativo dos Estados Unidos (mas que cada vez mais se espalha pelo resto do mundo, incluindo o Brasil) e esse tipo particular de cerveja.

Talvez nem todos saibam que a festa de Halloween não nasceu na América, mas tem origens muito antigas, que remontam à Irlanda, quando esta era povoada pelos celtas. O Halloween corresponde ao Samhain, o ano novo celta. Para os celtas o ano novo não se iniciava em 1º de janeiro, mas sim em 1º de novembro (do calendário atual), quando terminava oficialmente o verão e começava a estação da escuridão e do frio. Tempo em que se recolhiam em casa por muitos meses, protegendo-se do frio, fazendo ferramentas e passando noites contando histórias e lendas. O Samhain (“fim do verão”) era um momento de celebração por conta da colheita que tinha sido realizada e que os sustentaria durante o longo inverno que se aproximava.

A morte era o tema principal da festa, em consonância com o que se passava na natureza: durante o inverno a vida parece silenciosa, enquanto se renova no subsolo, onde os mortos também repousam. Os celtas acreditavam que durante o Samhain os espíritos poderiam se juntar ao mundo dos vivos, devido à dissolução temporária das leis do tempo e do espaço. Dessa forma, o Samhain era uma festa que combinava o medo da morte e dos espíritos com a alegria das celebrações de final de ano. Durante 3 dias eram acesas fogueiras no topo de colinas (o Fogo Sagrado) e os celtas, temendo serem arrastados para a vida após a morte, adotavam disfarces com máscaras grotescas e peles de animais e iluminavam-se com lanternas esculpidas em cebolas e nabos, para confundir fantasmas, fadas e demônios.

No processo de cristianização da Irlanda, que já mencionamos nos artigos sobre Santa Brígida e São Patrício, a comemoração do Halloween não foi totalmente cancelada, mas sincretizada ao Dia de Todos os Santos por ordem do Papa Gregório III, que liderou a Igreja Católica de 731 a 741 e determinou que a Festa de Todos os Santos fosse celebrada não mais em 13 de maio, mas em 1º de novembro. E posteriormente foram implementadas três celebrações simultâneas nessas datas: All Hallow’s Eve (31/10), a véspera do Dia de Todos os Santos; All Saints’ Day (1/11), Dia de Todos os Santos; e All Souls’ Day (2/11), Dia de Finados.

Em meados do século XIX, a Irlanda foi atingida por uma terrível fome e, para escapar da pobreza, muitas famílias resolveram deixar a ilha e tentar a sorte nos Estados Unidos. Lá mantiveram vivas as tradições e costumes de sua pátria e, entre eles, a comemoração do Halloween em 31 de outubro. Esse costume se espalhou por todo o país, tornando-se um feriado nacional.

A festa resgatou elementos oriundos da festa pagã e os modernizou. Em lugar de utilizar nabos e cebolas para esculpir rostos macabros que tinham a função de afastar os maus espíritos, passaram a ser utilizadas abóboras, uma vez que havia mais abóboras do que nabos na América do Norte. Na Irlanda, existia a lenda de um local chamado Jack que convidou o diabo para tomar uma bebida com ele. Ao final da bebedeira, ele convenceu o diabo a transformar-se em uma moeda para que pudesse pagar a conta. Depois de convencer o diabo, ele colocou a moeda próxima a uma cruz de prata, o que impediu que o diabo voltasse à sua forma normal. Ao morrer, Jack não foi aceito no céu por ter feito um trato com o diabo e também não foi aceito no inferno por ter enganado o diabo. Foi, então, condenado a vagar pela terra em meio a escuridão e, para fazê-lo, recebeu um nabo com um carvão em chamas que serviria para que ele pudesse iluminar seu caminho. Assim ficou conhecido como Jack of the Lantern, que eventualmente se contraiu para “jack-o-lantern”. Essa é a expressão usada atualmente para se referir às abóboras esculpidas com rostos e iluminadas com velas no seu interior.

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As Pumpkin Ales
Assim como outros estilos, as Pumpkin Ales parecem ter nascido da necessidade de adaptação dos cervejeiros do Novo Mundo aos ingredientes que eles tinham disponíveis. Os primeiros colonos que se estabeleceram na América do Norte aprenderam a cultivar abóboras com as populações indígenas. Originalmente, a abóbora era usada em substituição à cevada como fonte de açúcares. A cerveja de abóbora foi um dos muitos alimentos incluídos em uma das primeiras canções coloniais intitulada Aborrecimentos da Nova Inglaterra, datada de 1643 e conhecida como a primeira canção folclórica da América, que satiriza a abundância de abóboras: “Temos abóbora pela manhã e abóbora ao meio-dia / Se não fosse pelas abóboras, não existiríamos”, e mais adiante: “Pois podemos fazer licor, para adoçar nossos lábios / De abóboras e nabos e chips de castanheira.” A referência mais antiga às Pumpkin Ales parece ser a descrição de um método de fabricação datado de 1771, da American Philosophical Society, da Filadélfia:

Receita para Pompion Ale: Que a Pompion seja batida em uma calha e prensada como maçãs. O suco obtido deve ser fervido em cobre por um tempo considerável e cuidadosamente desnatado para que não haja restos da parte fibrosa da polpa. Depois de atingido esse objetivo, que o licor seja lupulado, resfriado, fermentado etc. como a cerveja de malte.

Com o aumento das trocas comerciais e a maior disponibilidade de malte de cevada na América, as razões da existência de Pumpkin Ales deixaram de existir e o estilo quase desapareceu completamente. Elas foram redescobertas na época da Craftbeer Revolution nos Estados Unidos. Agora, então, são cervejas sazonais, produzidas no período de setembro a novembro, época da colheita da abóbora, para a comemoração do Halloween.

Podem ser produzidas usando polpa de abóbora em combinação com malte ou outros grãos mais comuns contribuindo com os açúcares fermentescíveis ​​para o mosto. Mas também utilizando a abóbora como adjunto para dar um sabor natural à cerveja. Um sabor artificial também pode ser adicionado à cerveja pronta para evocar o sabor da torta de abóbora, uma sobremesa norte-americana popular no inverno.

A primeira cerveja de abóbora fabricada comercialmente veio da Cervejaria Buffalo Bill em Hayward, Califórnia, no ano de 1986 (America’s Original Pumpkin Ale). A receita seria baseada em estudos de cerveja feitos por George Washington. Outros exemplos comerciais são a Rogue Pumpkin Patch, a Brooklin Post Road e a Samuel Adams Jack-O Pumpkin Ale.


REFERÊNCIAS:

HISTORY of Pumpkin Ale. Homebrew Talk. Disponível em: History of Pumpkin Ale | Homebrew Talk – Beer, Wine, Mead, & Cider Brewing Discussion Forum. Acesso em 04/10/2021. 

PAUL, Gerard. History of Pumpkin Beer – From Beer of Necessity to Seasonal Staple. Many Eats. History of Pumpkin Beer – From Beer of Necessity to Seasonal Staple – ManyEats. Acesso em 04/10/2021.

PUMPKIN Ale. Wikipedia. Disponível em: Pumpkin Ale – Wikipedia. Acesso em 04/10/2021.   

PUMPKIN Ale: history, ingredientes and style. Birra Baladin. Disponível em: Pumpkin Ale: history, ingredients and style (baladin.it). Acesso em 04/10/2021.

SAMHAIN. Wikipedia. Disponível em: Samhain – Wikipedia. Acesso em 02/10/2021.

SAMHAIN, la vera storia di Halloween. Irlandando.it. Disponível em: Samhain, la vera storia di Halloween – Irlandando.it. Acesso em 02/10/2021.

SIGNIFICADO de Halloween. Significados.com.br. Disponível em: Halloween: conheça o conceito, origem e símbolos – Significados. Acesso em 02/10/2021.

SMITH, Gregg. Beer in America: The Early Years–1587-1840: Beer’s Role in the Settling of America and the Birth of a Nation. Brewers Publications, 1998.


Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História

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