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Balcão do Profano Graal: A longa história da produção de lúpulo no Brasil

Em junho, se comemorou o Dia da Cerveja Brasileira (dia 5). Uma justa homenagem à bebida alcoólica preferida dos brasileiros e para aqueles que se dedicam a produzi-la. Porém, apesar de ser hoje o terceiro maior fabricante de cerveja do mundo (ficando atrás apenas de China e Estados Unidos), o Brasil ainda depende, quase totalmente, da importação de dois dos principais insumos para a sua produção: o malte e o lúpulo. 

Notícias recentes chamam a atenção para o crescimento do cultivo de lúpulo no Brasil nos últimos anos, com expansão de cerca de 110% na área plantada em 2020, algo que, até pouco tempo atrás, era considerado impossível, uma vez que a planta tem demandas específicas, como a necessidade de 17 horas de luz solar durante a sua floração. Porém, o cultivo de lúpulo em terras brasileiras é prática muito mais antiga do que se pensa.

Como aponta pesquisa de Daniel Taveira Oberlaender, há registros de cultivo no Rio Grande do Sul desde a segunda metade do século XIX, na colônia de São Lourenço, por Curt August Adolf Wilhelm Ernst von Steinberg, barão de Hannover (1846-1893). A edição de 1909 do Almanak Literário e Estatísticos do Rio Grande do Sul traz um breve histórico da fundação da Colônia de São Lourenço, extraído das notas de Jacob Rheingantz (1817-1877), um dos seus fundadores, escritas em maio de 1867. Já no final do texto de 1909, escrito por Carlos Guilherme Rheingantz (1849-1909), filho mais velho de Jacob e sucessor do pai na administração da colônia, ao se referir ao estado atual da agricultura na colônia, o autor afirma:

“Seja-me lícito mencionar ainda os ensaios feitos na cultura do lúpulo, cuja exploração, na colônia, poderá ser, futuramente, fonte de grande receita. Foi o meu cunhado, o falecido barão Curt von Steinberg, quem a encetou, obtendo produtos muito bem aceitos. A análise das amostras, feitas no laboratório do Imperial Instituto de Agricultura pelo químico Otto Linger, mostrou serem plantas riquíssimas em substâncias amargas. Em 1.000 gramas acharam-se 26,5 gramas de substância amarga solúvel em água, 3,5 gramas de resina amarga solúvel em álcool e 6 centigramas de óleo etéreo aromático. Depois da morte de meu cunhado não houve, infelizmente, quem se interessasse pelo plantio dessa útil urticácia [sic] que, como já se disse, poderia constituir mais um elemento de prosperidade para a colônia” (RHEINGANTZ, 1909, p. 156).

Curt August Adolf Wilhen von Steinberg emigrou para o Brasil por motivos desconhecidos, casando-se em 1878 com Theresa Guilhermina Rheingantz (1851-1932), segunda filha de Jacob Rheingratz. Morreu precocemente, aos 47 anos, e sem deixar filhos. Com a sua morte, termina também a experiência de plantio de lúpulo em São Leopoldo. Ainda não é possível saber em que ano von Steinberg iniciou o seu cultivo, mas a análise química do seu lúpulo a que Rheingantz faz referência no seu texto, feita pelo doutor Otto Linger, responsável pelo laboratório de química do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, foi publicada na edição de 1885 da revista do instituto.

Aliás, já na sua primeira edição, publicada em 1869, a Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura traz uma nota de pouco mais de uma página sobre a introdução do lúpulo no Rio de Janeiro, feita pelo Comendador Antonio José Gomes Pereira Bastos (1828-1914). A nota informa que Pereira Bastos era proprietário “de uma importante fábrica de cerveja nesta cidade”. Como nos informa o Almanak Laemmert, Pereira Bastos era, desde o ano 1860, proprietário da Imperial Fábrica de Cerveja Nacional, criada cinco anos antes por Alexandre Maria Villasboas, localizada na Rua de Matacavallos, número 27. Informa a nota que, Pereira Bastos:

Desejando criar mais uma fonte de riqueza na agricultura do País, mandou vir de Alost (Bélgica) mil pés em estacas de lúpulo, que chegaram a esta cidade em abril do ano próximo passado, na galera Petropolis, do Havre. Estas mudas foram ofertadas ao Ministério da Agricultura para serem distribuídas por diversas colônias. Infelizmente, esse primeiro ensaio não foi coroado de resultados vantajosos, porquanto, dessas mudas poucas lograram vingar

Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, 1869, p. 58

Pereira Bastos, porém, não se deixou abater pelo fracasso dessa primeira tentativa, feita em 1868. Encomendando a seus correspondentes em Paris, em dezembro do mesmo ano, mais 3 mil pés de lúpulos de origem variada, que chegaram ao Brasil no ano seguinte. Essas 3000 mudas teriam sido distribuídas pelo Ministério da Agricultura, pelo Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional a vários lavradores, tendo sido plantadas também no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e na chácara do próprio Pereira Bastos, localizada na Rua do Riachuelo 27 (cerca de 50 pés). Ou seja, na própria cervejaria, “onde grande número deles estão bem desenvolvidos”. (Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, 1869, p. 58)

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A revista do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura voltaria a abrir espaço para falar do cultivo do lúpulo em outras duas ocasiões. Na edição número 2, de 1877, se publicou uma História Natural do Lúpulo, texto sem autor, de 4 páginas, na seção Noticiário Agrícola. E, por fim, a seção Agricultura Prática, da edição de 1885 da mesma revista, escrita pelo engenheiro agrônomo Luiz Caminhoá traz as informações necessárias para aqueles que resolvessem se aventurar na cultura da planta como tipo de solo, modo de fazer a plantação, como combater as principais pragas, momento da colheita etc. A mesma edição traz ainda a já citada análise do lúpulo da colônia de São Leopoldo, feita por Otto Linger.

A recorrência do tema naquela que talvez fosse a principal revista de agricultura e botânica do País só mostra que a cultura do lúpulo era considerada importante recurso natural a ser explorado no Brasil no século XIX. Contudo, não se sabe que fim levou a cultura de lúpulo de Pereira Bastos. E, segundo o texto de Carlos Guilherme Rheingantz, em 1909 o lúpulo era ainda uma promessa. Parece ter havido ainda uma breve experiência na região de Nova Petrópolis (RS) em 1953, com mudas levadas por um imigrante alemão.

Mas o fato é que a cultura do lúpulo praticamente desapareceu no Brasil ao longo do século XX, a ponto de ser considerada impossível, como falei no início desse texto, voltando a ganhar força apenas recentemente. Vamos torcer para que, dessa vez, o seu cultivo tenha melhor sorte, tornando-se até mesmo, quem sabe, o primeiro passo para a formação de uma escola brasileira de cervejas.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Área plantada de lúpulo cresce 110% no Brasil impulsionada pelas cervejas artesanais. Site Globo Rural. 06/08/2021. Disponível em: Área plantada de lúpulo cresce 110% no Brasil impulsionada pelas cervejas artesanais – Revista Globo Rural | Agricultura

BAIERLE, Rodrigo. Cultivo de lúpulo no Brasil, história e perspectivas. Brew Blog Lamas Brew Shop. 14 de julho de 2020. Disponível em: Cultivo de Lúpulo no Brasil, história e perspectivas – Blog Lamas (lamasbrewshop.com.br)

CAMINHOÁ, Luiz. Agricultura prática – A cultura do lúpulo. Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Rio de Janeiro: Typographia do Imperial Instituto Artístico, volume décimo sexto, nº 1, março de 1885, p. 37-42.

CEOLA, Duan. Lúpulo no Brasil: em que pé está o cultivo da planta no país. Escola Superior de Cerveja e Malte. 18/05/2021. Disponível em: O Lúpulo no Brasil: em que pé está o cultivo da planta no país (cervejaemalte.com.br)

CHAVES, Ricardo. O barão alemão que trocou a realeza pelo rio Grande do sul. GZH Almanaque. Disponível em: O barão alemão que trocou a realeza pelo Rio Grande do Sul | GZH (clicrbs.com.br)

Introdução do lúpulo no Rio de Janeiro pelo Sr. Comendador Antonio José Gomes Pereira Bastos. Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Rio de Janeiro: Typographia do Imperial Instituto Artístico, nº 1, Setembro de 1869, p. 57-59.

LINGER, Otto. Chimica Analyptica – Lúpulo da colônia de São Lourenço no Rio Grande do Sul. Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Rio de Janeiro: Typographia do Imperial Instituto Artístico, volume décimo sexto, nº 1, março de 1885, p. 160.

Noticiário agrícola – o lúpulo. Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Rio de Janeiro: Typographia do Imperial Instituto Artístico, volume oitavo, nº 2, Junho de 1877, p. 61-65.

RHEINGANTZ, Carlos Guilherme. Colônia de S. Lourenço – Breve histórico de sua fundação, extraído das notas do arquivo de seu fundador Jacob Rheingantz. Almanak Literario e Estatistico do Rio Grande do Sul. Pelotas, Rio Grande e Porto Alegre, 1909, p. 143-164.


Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História.

4 Comentários

  • carlos alberto Tavares coutinho Reply

    27 de junho de 2022 at 11:21

    Sergio, se for possível verifique este texto publicado em “a Lavoura” Boletim da Sociedade Nacional de Agricultura de 17 de março de 1920 . Cita e tem fotos da plantação de lúpulo da Cerv ejaria atlântica, do Paraná.

  • Sergio Reply

    29 de junho de 2022 at 05:58

    Salve meu nobre,
    Obrigado pela dica. Vou procurar.
    Abraços.

  • carlos alberto Tavares coutinho Reply

    5 de julho de 2022 at 13:55

    Olá,
    Conseguiu localizar???
    Eu tenho o texto mas é uma impressaõ muito clara. Se eu scanear e enviar acho que você não vai conseguir ler.

    • Sergio Reply

      7 de julho de 2022 at 05:59

      Salve!
      Consegui localizar sim!
      Fiz um pdf e já está devidamente lido e resenhado.
      Mais uma vez, muito obrigado pela dica.

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