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Cerveja com ciência: Brindemos à colaboração

No âmbito da ciência, muitos concordam que não há nada mais prático do que uma boa teoria. Nesse sentido, este artigo foi dividido em duas partes, a primeira, teórica, com uma breve revisão sobre o que sabemos sobre colaboração, especialmente a partir de estudos realizados em micro e pequenas cervejarias artesanais. Nesta revisão, além das principais definições, aspectos positivos e negativos da colaboração, quatro estudos realizados no Reino Unido, República da Irlanda e Irlanda do Norte, Brasil e Austrália, respectivamente, são apresentados para ilustrarmos evidências sobre os tipos de colaboração, seus inibidores e facilitadores, bem como por que colaborar é preciso.

Traremos a segunda parte, com aspectos práticos e exemplos de colaboração em diversos pontos da cadeia cervejeira, em nossa próxima coluna. Enquanto isso, caso queiram interagir, por gentileza, nos respondam por que amamos uma colaboração na cadeia cervejeira? Agradecemos se puderem enviar suas mensagens por e-mail (professorguiadacervejabr@gmail.com) com seu relato sobre como a colaboração na cadeia cervejeira contribuiu para aumentar seu interesse pela nossa querida cervejinha.

O termo colaboração na literatura acadêmica voltada ao gerenciamento possui várias definições. Há pesquisas que apresentam como um esforço de entendimento conjunto para se alcançar objetivos definidos1, como um processo envolvendo pelo menos duas partes para conseguir resultados mutuamente benéficos2, como uma estratégia-chave para lidar com a complexidade e turbulência no ambiente de negócios3 ou para alcançar objetivos de curto e longo prazo inatingíveis de forma independente4.

Em teoria, portanto, temos colaboração quando um grupo de partes interessadas autônomas se envolvem em um processo interativo para solucionar um problema ou obterem benefícios. Este processo é estabelecido quando o grupo de partes interessadas usa normas, estruturas e regras compartilhadas para decidirem ou agirem em relação a situações específicas5.

Desta forma, há dois elementos fundamentais para teoria da colaboração, as partes interessadas em relação às situações específicas e o processo interativo. Sobre as partes interessadas, entende-se que as empresas, organizações ou grupos têm interesses que são comuns ou diferentes, os quais são redefinidos ou alterados à medida que a colaboração continua5.

Por exemplo, as partes interessadas em uma cadeia de suprimentos podem se alinhar para criar uma estratégia de gerenciamento de demanda mais transparente, para favorecer o ritmo de todo o sistema6. A autonomia é um elemento crítico, pois mesmo quando as partes interessadas concordam em aceitar regras compartilhadas dentro de seu relacionamento colaborativo, elas visam manter seu poder e independência durante a tomada de decisão5.

Outro estudo evidenciou que a construção de relacionamentos duradouros entre compradores e fornecedores de uma mesma cadeia de suprimentos afeta positivamente o desempenho do comprador, mas pode reduzir a capacidade do comprador de ser objetivo e tomar decisões eficazes, além de aumentar o comportamento oportunista do fornecedor. Neste sentido, existem contextos que a colaboração pode levar a resultados indesejados.

Quando se trata de pequenas e médias empresas (PMEs), a colaboração mostra impacto significativo na inovação de produtos7 ou crescimento de lucratividade em casos de parcerias com fornecedores locais8. Entretanto, existem estudos que apontam que a cooperação tecnológica não é garantia para inovação e que os resultados podem ser imprevisíveis.

O segundo elemento refere-se aos processos interativos em colaboração, que podem ser entendidos como a criação de estruturas que permitem aos participantes fazerem escolhas relativas às maneiras de resolver problemas enfrentados coletivamente9.

Dentro das questões voltadas ao gerenciamento, existem oportunidades para pesquisas sobre como a colaboração ocorre entre universidades e indústria10, bem como sobre “e-colaboração” entre PMEs, isto é, ferramentas digitais colaborativas que facilitam as interações entre uma organização, seus fornecedores, parceiros comerciais, clientes e funcionários11. Além disso, pouco se discute sobre a colaboração dentro de indústrias emergentes, como é o caso da crescente indústria cervejeira artesanal.

Dentre os poucos estudos realizados até o momento, no Reino Unido, identificou-se que o envolvimento colaborativo de microcervejarias artesanais tem enfatizado a inovação, o crescimento e a criatividade12. Outro levantamento em cervejarias da República da Irlanda e da Irlanda do Norte reconheceram alguns facilitadores e inibidores das capacidades de desenvolvimento de rede e notaram a complexidade para construir tais capacidades. Por exemplo, embora o compartilhamento de informações ou experiências anteriores sejam facilitadores importantes para criação de uma rede, a dificuldade na resolução de problemas e compartilhamento de conhecimento, e o desejo de controle sobre tomada de decisão são os principais inibidores13. Nesta pesquisa, recomenda-se a necessidade de políticas públicas para atacar os inibidores da criação de redes e encorajar a colaboração ou coopetição como alternativas estratégicas de negócios.

No Brasil, estudo recente aponta que as micro e pequenas cervejarias têm realizado colaborações verticais (entre fornecedores e compradores) e horizontais (entre outras partes interessadas, por exemplo, universidades e centros de pesquisa) para gerenciar sua qualidade (no que diz respeito à redução das variabilidades de qualidade)14. Este estudo reconhece que há necessidade de maior interação por meio de colaborações verticais e horizontais para compartilhamento de informações, tomada de decisão conjuntas e troca de conhecimento. Também chama a atenção para o fato de que em se tratando de microcervejarias, boa parte das relações entre as empresas são informais, o que contribui fortemente para o acesso a fontes externas de conhecimento. Além disso, esses esforços colaborativos levaram as empresas a obter ganhos mútuos em seus relacionamentos. Este estudo apresenta um modelo consolidado sobre como as partes interessadas, tipos de colaboração, mecanismos de socialização e tipos de relacionamento favorecem a redução da variabilidade e a alta qualidade em microcervejarias.

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Resultados semelhantes foram destacados em estudo feito na Austrália. As formas de colaboração têm implicações para o controle de qualidade e, potencialmente, para a entrega de um produto final consistente e de alta qualidade, cujos efeitos agregam valor e geram vantagem competitiva para cervejarias artesanais15. Essa noção é apoiada no que diz respeito à obtenção de conhecimentos básicos e estratégicos, aprender o que os outros cervejeiros fazem e, em menor grau, no que diz respeito à importância das relações colaborativas, particularmente no âmbito nacional.

Ainda segundo o contexto australiano, a colaboração com outros cervejeiros artesanais ajuda a atualizar o conhecimento, identificar tendências e construir resiliência para responder novas demandas e desafios. Ao mesmo tempo, a colaboração com outras empresas fora da indústria cervejeira artesanal transforma o conhecimento em prática e resultados15.

Além dos ganhos financeiros (vendas), a colaboração também representa um veículo-chave que conecta “cervejarias artesanais” e consumidores finais. Consequentemente, a colaboração pode contribuir para abordar essas partes interessadas, no que tange às necessidades e desejos de forma mais consistente e contínua15.

As empresas que estão envolvidas em colaboração interna (departamental) e externa (fornecedores e clientes) estão muito bem equipadas para sucesso. Contudo, apesar da importância percebida da colaboração, a falta de tempo e o isolamento geográfico podem limitar as capacidades de colaboração, com implicações potenciais para o futuro da indústria cervejeira artesanal15.

A natureza prática da indústria, incluindo experimentação por meio de tentativa e erro para obtenção de novos estilos de cerveja artesanal, pode ser aprimorada de forma “virtual” por meio da internet e redes sociais. Eventos e encontros locais, especialmente perto de centros maiores (urbanos/suburbanos), onde cervejarias artesanais abundam, podem, ainda que parcialmente, minimizar as limitações identificadas15.

Aprender sobre a colaboração dentro da indústria cervejeira artesanal, ou entre esta indústria e seus parceiros, pode trazer avanços, por exemplo, sobre como resolver problemas ou abordar oportunidades em termos de desenvolvimento de novos produtos. Da mesma forma, a geração de novos conhecimentos sobre colaboração permitiria às partes interessadas (indústria, governo, câmaras de comércio, universidades, orgãos não-governamentais, entre outros) apoiar o desenvolvimento de uma indústria cervejeira artesanal sustentável.

Entre as várias implicações socioeconômicas relacionadas aos resultados da colaboração, se inclui o desenvolvimento de negócios por meio do empreendedorismo e comunidades, o estímulo cultural por meio de realização de eventos, e crescimento econômico com aumento do potencial de geração de empregos em diferentes elos da cadeia cervejeira.

Agora que você tomou conhecimento, compartilhe conosco seu comentário, por que você ama colaboração nas cervejarias ou como você percebe essa colaboração?

Saúde!


Referências

  1. NUNAMAKER, Jay F.; ROMANO, Nicholas C.; BRIGGS, Robert Owen. Increasing intellectual bandwidth: generating value from intellectual capital with information technology. Group Decision and Negotiation, v. 11, n. 2, p. 69-86, 2002.
  2. MILES, Raymond E.; MILES, Grant; SNOW, Charles Curtis. Collaborative entrepreneurship: How communities of networked firms use continuous innovation to create economic wealth. Stanford University Press, 2005.
  3. GRAY, Barbara; WOOD, Donna J. Collaborative alliances: Moving from practice to theory. The Journal of applied behavioral science, v. 27, n. 1, p. 3-22, 1991.
  4. GAJDA, Rebecca. Utilizing collaboration theory to evaluate strategic alliances. American journal of evaluation, v. 25, n. 1, p. 65-77, 2004.
  5. WOOD, Donna J.; GRAY, Barbara. Toward a comprehensive theory of collaboration. The Journal of applied behavioral science, v. 27, n. 2, p. 139-162, 1991.
  6. HOLWEG, Matthias et al. Supply chain collaboration: Making sense of the strategy continuum. European management journal, v. 23, n. 2, p. 170-181, 2005.
  7. NIETO, María Jesús; SANTAMARÍA, Lluís. Technological collaboration: Bridging the innovation gap between small and large firms. Journal of small business management, v. 48, n. 1, p. 44-69, 2010.
  8. ROBSON, Paul JA; BENNETT, Robert J. SME growth: The relationship with business advice and external collaboration. Small business economics, v. 15, n. 3, p. 193-208, 2000.
  9. THOMSON, Ann Marie; PERRY, James L.; MILLER, Theodore K. Conceptualizing and measuring collaboration. Journal of public administration research and theory, v. 19, n. 1, p. 23-56, 2009.
  10. BJERREGAARD, Toke. Universities‐industry collaboration strategies: a micro‐level perspective. European Journal of Innovation Management, 2009.
  11. CHAN, Felix TS; CHONG, Alain Yee-Loong; ZHOU, Li. An empirical investigation of factors affecting e-collaboration diffusion in SMEs. International Journal of Production Economics, v. 138, n. 2, p. 329-344, 2012.
  12. DANSON, Mike et al. Microbrewing and entrepreneurship: The origins, development and integration of real ale breweries in the UK. The International Journal of Entrepreneurship and Innovation, v. 16, n. 2, p. 135-144, 2015.
  13. MCGRATH, Helen; O’TOOLE, Thomas. Enablers and inhibitors of the development of network capability in entrepreneurial firms: A study of the Irish micro-brewing network. Industrial Marketing Management, v. 42, n. 7, p. 1141-1153, 2013.
  14. PRIM, Alexandre Luis; SARMA, Violina; DE SÁ, Marcelo Martins. The role of collaboration in reducing quality variability in Brazilian breweriesProduction Planning & Control, p. 1-17, 2021.
  15. ALONSO, Abel Duarte; ALEXANDER, Nevil; O’BRIEN, Seamus. Collaboration and the emerging craft brewing industry: An exploratory study. Journal of Asia-Pacific Business, v. 19, n. 3, p. 203-224, 2018.

Marcelo Sá é professor de gestão em operações, pesquisador na área de riscos e resiliência em cadeias de alimentos e bebidas, esposo e pai apaixonado por sua família. Em sua folga, pode ser facilmente encontrado com uma IPA ao seu lado.

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