fbpx

Balcão da Cilene: Da trilogia Desenhando Sonhos –
Saga segunda: Salvar o planeta (ou a nós mesmos?)

O incrível e lindamente redondo Planeta Terra está esquentando e este fato deveria colocar-nos bem preocupados. A crise do clima deve interferir profundamente no futuro das cervejas no mundo.

A mudança climática em curso deve afetar todos os aspectos da gestão de recursos na produção, distribuição e comercialização de cervejas em futuro próximo. Isto não é uma suposição. Isto é uma afirmação.

Atualmente, os principais estados produtores de cevada nos Estados Unidos são Idaho, Montana e Dakota do Norte (Fonte: statista.com em 2019). Neste mesmo país, os principais estados produtores de lúpulo são Washington (sobretudo: Yakima Valley), Idaho e Oregon (Fonte: statista.com em 2019). Todos esses estados estão concentrados na região noroeste e centro-norte do país. Sendo assim, quase todos em fronteira com o Canadá.

Com base nos estudos climáticos das últimas décadas, a previsão é de que os EUA viverão mais e mais a tendência de verões secos. Nos próximos anos, portanto: verões com menos chuva; verões com menos água. (Um pedido de desculpas pela redundância, mas creio que seja preciso enfatizar.)

A cevada e o lúpulo são cultivares susceptíveis à combinação de calor e seca. No caso da cevada, a relação carboidratos-proteínas pode sofrer grandes variações. Isso pode afetar rendimento em sacarificação e qualidade de espuma, entre outros importantes pontos. Já no caso do lúpulo, as condições de seca podem diminuir significativamente rendimento em níveis de amargor e qualidade de amargor.

O clima nestas regiões relevantes para a produção de cervejas nos EUA está mudando e se deslocando consideravelmente. Com o aquecimento global, o clima favorável a essas plantações tende a deslocar-se para o norte. E ao norte desses estados, está o Canadá. (Detalhe: Quase como obviedade, as principais regiões produtoras de cevada e lúpulo no Canadá estão concentradas ao sul.)

Em um futuro próximo, possivelmente os americanos deverão cuidar – com muito carinho – da diplomacia junto aos canadenses, caso queiram continuar a produzir cervejas no longo prazo.

(…)

Pelas bandas da América do Sul, a tendência é a mesma: calor e seca. Mas em um cenário

especialmente agravado pelo impacto brutal do desmatamento da região Amazônica. Para melhor entender isso, é preciso conhecer as seguintes expressões: “Quadrilátero Afortunado” e “rios voadores”.

Ao observar o mapa global, é interessante perceber que os principais desertos do planeta estão alinhados pelas latitudes médias de 30º, tanto pelo hemisfério norte quanto pelo hemisfério sul. Isso não é coincidência. Existem embasamentos científicos sólidos que explicam esse fenômeno.

Mapa: Os desertos do Planeta Terra

Entretanto, há uma grande exceção. O ‘quadrilátero afortunado’ é a única região destas latitudes médias que não é desértica e fica justamente na América do Sul. De Cuiabá a São Paulo, de Buenos Aires aos Andes.

Essa condição de exceção (ainda) existe graças aos ‘Rios Voadores’: uma expressão metafórica dada às gigantescas nuvens que carregam um volume colossal de umidade da Amazônia para várias regiões do centro-sul da América do Sul. Os estudos a respeito deste fenômeno mostram uma evidente colaboração da região Amazônica nas chuvas do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Publicidade

Em um mecanismo bastante sofisticado, a natureza nos regala a Amazônia como sendo uma imensa usina de serviços ambientais: irrigação da atmosfera e regulação do clima global.

Por essa razão, a região centro-sul da América do Sul é verde, úmida e fértil, contrariando a tendência da região de ser deserto. E muita atenção nos seguintes fatos: essa região abriga a maior reserva subterrânea de água doce do planeta – o Aquífero Guarani – e corresponde a 70% do PIB da América do Sul concentrando riquezas de agricultura, pecuária, indústria e serviços. Isso não é ao acaso. Onde existe água, existe vida e riqueza.

Tendo isso em mente, parece ser sensato, inteligente e estratégico focar em ações de preservação destas condições climáticas amigáveis. Desenhar, articular e incentivar políticas ambientais públicas e privadas nesta direção. No entanto, infelizmente, o que está sendo feito se resume à motosserra, correntão e fogo.

(…)

O desmatamento na região Amazônica simplesmente desmantela a dinâmica dos “rios voadores” e ameaça alterar as condições climáticas para algo bastante inóspito. Ou seja: um país em um terrível “suicídio ambiental e econômico”. E as respostas da natureza não costumam tardar…

Sem floresta, sem água. E sem água, nada há. Nem cevada, nem lúpulo, nem muito menos cerveja (vale lembrar que, atualmente, as cervejarias modernas apresentam um consumo médio de água na ordem de 2 a 6 litros por litro de cerveja produzida).

No mais, apenas reiterar os alertas de especialistas que dizem que, se essa tragédia ambiental segue adiante, as respostas da natureza virão mais e mais na forma de uma triste dicotomia: estiagens e enchentes.

Ainda assim, sendo bastante pragmática, sabe-se que o movimento capitalista impera. Ou seja: mesmo que haja um imperativo moral, existe um imperativo legal que tem obrigado corporações e estados a assumir responsabilidades neste assunto.

As corporações estão sendo progressivamente pressionadas pelo mercado de consumo a tomar frente nas questões de sustentabilidade e responsabilidade social. Se não o fazem, perdem negócios. Para alcançar viabilidade, as corporações passam a pressionar estados com a força dos impostos. É assim uma imensa engrenagem em que deveríamos ser agentes pensantes, comunicantes e transformadores. Por isso são tão importantes nossos ativismos.

Recomendaria observar e, até mesmo, se aprofundar nas obrigações corporativas do chamado Corporate Social Responsibility assumidas pelas principais companhias do mundo. Da mesma maneira, nos padrões de gestão do chamado Sustainable Development Goals (SDGs) em que empresas e países se comprometem a cumprir as metas de desenvolvimento sustentável.

Em nosso pequeno universo cervejeiro, as políticas ambientais e sociais certamente trarão impactos na cerveja que teremos – ou não – no copo nas próximas décadas. O espírito colaborativo entre cervejarias e afins será fundamental.
(…)

De forma urgente, ainda nesta geração: ou cuidamos bem do planeta e de todos os seres vivos, reordenando tudo em uma coexistência não abusiva; ou não vamos durar. O Planeta Terra fica; e nós: pó.

À Revolução Verde, meu Saravá!

PS. Agradecimentos especiais ao Antonio Nobre (Cientista, INPE, Brasil), Sidarta Ribeiro (Neurocientista, Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil) e Steve Bertman (Professor, Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Western Michigan University, EUA)


Cilene Saorin tem se dedicado às cervejas, nos últimos 28 anos, por alguns cantos deste planeta. É sommelière, mestre-cervejeira e diretora da Doemens Akademie no Brasil

0 Comentário

    Deixe um comentário

    Login

    Welcome! Login in to your account

    Remember me Lost your password?

    Lost Password