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O que a Dogma mudou após acusação de racismo e como vê o futuro do setor

Bruno Moreno, diretor-fundador da Dogma, assegura que ações de inclusão da cervejaria prosseguirão mesmo ao fim da série Griot

Marcado por uma crise que ainda nem terminou, o ano de 2020 forçou muitas empresas a repensarem ações. No setor de cervejas artesanais, não foi diferente. Mas uma das referências no Brasil, a Dogma, precisou passar por esse processo enfrentando também um fato específico, ainda que também infelizmente usual na sociedade: o preconceito.

No ano passado, a cervejaria foi denunciada por ilustrar um rótulo, a Cafuza, uma Imperial India Black Ale, utilizando indevidamente a foto de uma mulher negra do século XIX, provavelmente escravizada, em Pernambuco. Acusada de racismo, a Dogma optou por retirar de vez a cerveja do seu portfólio e por agir a favor da inclusão.

Pouco mais de seis meses após o caso, tempo necessário para consolidar conceitos e realizar reflexões, a Dogma lançou a primeira de três cervejas da série Griot, concebida com três sommeliers negros: Glauco Ribeiro, Sara Araújo e Sulamita Theodoro, além da arte sendo produzida por João Gabriel. A primeira dessas cervejas foi a Hantu, uma Saison com cajá, caju e melado de cana, lançada no fim de janeiro. E será completada com mais dois lançamentos: a Kintu, uma New England IPA, e a Mantu, a Hantu envelhecida em barricas de madeira.

A Dogma, assim, com essa iniciativa, decidiu homenagear a ancestralidade negra e adotou ações menos chamativas, mas não menos importantes, como o financiamento de bolsas de estudos para a formação de sommeliers. Além disso, garante estar investindo na diversidade dentro do seu quadro de funcionários, como destaca Bruno Moreno, diretor-fundador da cervejaria, em entrevista ao Guia.

Ele também comenta outras mudanças, essas mais globais, ocorridas no setor de artesanais. Em sua visão, marcas precisarão investir em rótulos mais baratos, ainda que destaque que a Dogma jamais vai perder sua essência. E aponta a entrada no Telegram como uma importante estratégia da cervejaria para a marca permanecer mais próxima dos fãs e melhorar a comunicação com eles em momentos de crise ou de bonança.

Leia também – Entrevista: “O cooperativismo funciona, o cervejeiro é mais aberto a compartilhar”

Confira a entrevista do Guia com Bruno Moreno, diretor-fundador da Dogma:

Em um período separado por pouco mais de um semestre, a Dogma foi acusada de racismo pela presença de uma mulher escravizada no rótulo da Cafuza, em denúncia realizada em junho de 2020, depois lançando, no início de 2021, uma série criada em parceria com sommeliers negros. Olhando para esse processo, o que vocês aprenderam com ele e o que a cervejaria mudou desde então?
Começamos a pensar que precisávamos nos aproximar de pessoas que conheciam o mercado de cerveja, tinham uma opinião sobre o rótulo e ajudassem a gente a entender o que aconteceu. Era uma homenagem, não foi entendido assim, entendemos isso e buscamos formas de que isso não voltasse a acontecer. Depois, o segundo momento foi partir para um projeto. Precisávamos de um tempo para entender o que tínhamos de fazer. Foi um processo de meses de conversas e de construção do projeto para ajudar a entender a atitude a ser tomada, olhar para nossas ações e ver o que estava errado. Isso se refletiu na Hantu, em bolsas com o Science of Beer, que, esperamos, quando o mundo se normalizar, aumentar. Também é uma preocupação ter diversidade em nosso quadro.

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Como surgiu a ideia de criar a série Griot e a atuação ao lado dos sommeliers para tirar o projeto do papel?
Se desenhou uma estratégia, de buscar pessoas que conhecíamos e que poderíamos procurar para ajudar com o projeto. Foi tudo pensado junto, construído entre 6 pessoas, com meses de conversas. Definimos que seria um projeto sem relação com a Cafuza, não seria uma cerveja escura. Vimos, então, que uma cerveja só não seria suficiente. Decidimos fazer três, que vão ser lançadas ao longo do tempo. Eles trouxeram muitas coisas, preocupados que não caíssem de paraquedas, fizesse sentido dentro do nosso portfólio, com nome e identidade visual adaptados para a Dogma, com cervejas que refletem a nossa marca.

Depois da Hantu, quais são as próximas cervejas da série Griot e quando elas deverão ser lançadas?
A próxima será uma New England IPA. A ideia é produzir e lançar ainda no primeiro semestre. A terceira é a Hantu em barrica de vinho, então não tem um momento definido para ser lançada. Vamos esperar chegar no nosso perfil característico. E vai fechar um ciclo de quase 2 anos, desde o início do processo. É um fechamento temporal, com a primeira cerveja do projeto, que depois vimos maturando.

O projeto se encerra com o lançamento do terceiro rótulo, mas a Dogma pretende dar sequência a ele com outras ações inclusivas?
É uma relação que a gente não pretende finalizar. É um tema que vamos continuar abordando, tendo contato com essas pessoas e fazendo mudanças internamente. Temos pensado com eles em uma rede de relacionamentos para que consigam se comunicar, ligar pessoas com as empresas, em uma rede de ajuda. É um processo que espero que não acabe nisso. E devem ser cervejas que pretendemos repetir.

Até pelas restrições, a pandemia modificou bastante o consumo, que se tornou mais residencial. Acredita que isso se manterá ao fim da crise?
O consumidor passou a beber na casa dele, o que não era tão comum. Se bebia mais em bares, com os copos menores tendo saída maior. O que tenho sentido, quando começou a flexibilização, foi que o delivery veio para ficar, mas o padrão de consumo maior continuará sendo fora de casa.

Então, de fato, o que vai mudar no consumo de cervejas artesanais?
Vai obrigar as cervejarias, como a gente, o que agora é possível por ter a fábrica, a olhar para produtos mais acessíveis, se o mercado continuar dessa forma. Há alguns anos, a Rizoma reinou sozinha por 6 meses em um mercado que hoje é pequeno e que começou a se dividir. Será preciso olhar para esse consumidor. Fazíamos isso no tasty room, oferecendo cervejas mais de entrada, com Pilsen e Weiss, ainda que mais lupuladas. Teremos de olhar para produtos mais simples, que peguem o consumidor que está entrando no mercado de artesanais. Acho que todas as marcas terão de fazer isso, atingindo um mercado que é muito maior e quer consumir qualidade. E é possível fazer bons produtos. Para muita gente, vai ser uma necessidade, com o dólar alto.

A Dogma criou recentemente um grupo no Telegram para se comunicar com seus fãs e consumidores. Qual foi a ideia desta estratégia de comunicação?
A gente tinha a ideia de depender um pouco menos de redes sociais. Devemos ter mais seguidores no Instagram do que qualquer cervejaria artesanal, com mais de 100 mil. Mas queríamos um canal para falar diretamente com o consumidor. Quando houve o caso da Cafuza, nosso Instagram virou uma guerra entre gente que nem era nosso consumidor. E perdemos o nosso canal de comunicação. Acreditamos que quem está lá, quer estar no grupo.

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