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Irmãs de mosteiro em SC estudam para fazer cerveja e evidenciam tradição trapista

mosteiro cerveja
Raquel Watzko, integrante da Ordem Trapista de Boa Vista, em Rio Negrinho, participou de aulas na ESCM

Uma antiga tradição mundial de cervejas feitas por monges pode estar prestes a florescer em Santa Catarina. Por lá, Zulema Jacquelin Jofre Palma e Raquel Watzko, integrantes da Ordem Trapista de Boa Vista, em Rio Negrinho, realizam desde o ano passado cursos na Escola Superior de Cerveja e Malte (ESCM), a maior instituição de ensino cervejeiro da América Latina, localizada em Blumenau. As irmãs estudam com o objetivo de se tornarem produtoras de cerveja e consequentemente continuarem ajudando a sustentar o mosteiro onde vivem.

Caso consigam realizar o desejo de montar uma pequena fábrica, que seria instalada em Rio Negrinho, tendo o produto comercializado pelo convento local, as monjas se tornarão as primeiras irmãs trapistas a produzirem cerveja no Brasil. E o almejado feito também está servindo para colocar em evidência a tradição das cervejas feitas por monges, sendo que alguns destes rótulos estão entre os melhores do mundo.

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O Guia procurou Zulema e Raquel para saber mais sobre seus objetivos, mas as irmãs, reservadas e discretas pelo próprio estilo de vida que adotaram como monjas, preferiram ainda não conceder entrevista enquanto se preparam para transformar em realidade a iniciativa. Entretanto, o Guia conversou com Carlo Enrico Bressiani, diretor geral da ESCM, que abraçou o projeto das freiras e contou como teve o primeiro contato com elas, assim como revelou detalhes de como a sua escola vem ajudando a realizar o sonho cervejeiro das duas mulheres.

“A Cassia Koehler (professora) estava em uma excursão que passou pelo Mosteiro Trapista da Boa Vista, em Rio Negrinho, e conversou com as monjas. Lá, elas falaram que já fazem chocolates e geleias. E disseram que cogitavam a hipótese de começar a fazer cerveja. Como membros da Ordem Trapista, elas precisam trabalhar. E o fruto deste trabalho tem de sustentar o mosteiro. Então, a Cássia entrou em contato comigo e me perguntou se podia passar o meu telefone para elas”, lembra Bressiani,

Logo depois disso, o diretor da ESCM conversou com Liliana Schiano, a madre superiora do mosteiro em Rio Negrinho, que confirmou o interesse das irmãs em aprender sobre o processo de produção de cerveja. Seduzido pelo projeto, ele foi até o local para também encontrar Zulema e Raquel, que falaram sobre a ideia de montar uma cervejaria para fabricar a bebida em pequena escala.

“Eu expliquei que existia uma questão relacionada à Ordem Trapista, muito antiga, de produção de cerveja por eles (membros na congregação religiosa católica derivada da Ordem de Cister), incluindo alguns monastérios trapistas famosos”, recorda Bressiani, revelando também que este mosteiro catarinense tem recebido integrantes do Chimay, monastério da Bélgica cuja fábrica produz uma das principais cervejas trapistas do mundo.  “Ela (Liliana Schiano) falou que o pessoal do Chimay vem a cada dois anos fazer um retiro espiritual ali. Então já existe um contato mais firme, o que é extremamente interessante e até para uma parceria futura”, projeta o diretor da ESCM.

Depois deste primeiro contato com as integrantes do mosteiro em Rio Negrinho, a escola resolveu subsidiar cursos e cedeu um equipamento para que as irmãs trapistas pudessem dar os primeiros passos em busca de montar a estrutura para produção de cerveja.

“A gente conversou para bonificar o curso de produção de cerveja, primeiro caseira, à distância, para elas começarem, para depois avançar a outras formações. Elas fizeram o curso de cerveja caseira à distância, concluído no ano passado, e voltaram a conversar comigo. Elas estavam bem felizes com o curso, mas queriam algo mais prático, presencial, para ter um pouco mais de segurança. Então, a gente bonificou também o curso de cervejaria artesanal para elas nas férias, em janeiro, e resolvemos fazer a doação de uma panela elétrica, para que elas pudessem começar a produção”, revela Bressiani.

O diretor da ESCM ressalta que as irmãs trapistas estão caminhando aos poucos, antes de conseguirem, de fato, ter uma pequena cervejaria e comercializar o produto para gerar uma nova fonte de renda, que vai ajudar a sustentar o mosteiro em Rio Negrinho.

“Elas já tinham comprado geladeira e outras coisas. E já tinham mandado para mim lista de materiais que elas tinham visto em uma brew shop. A gente está fazendo esse meio-campo, intermediando e as ajudando com esse interesse de implementar uma pequena cervejaria. Por enquanto, vão fazer de forma caseira, alguns testes, aprender… Depois, elas têm a ideia de montar uma pequena cervejaria”, completa.

Resgate cultural
Bressiani qualifica como “extremamente importante” a iniciativa das monjas em Santa Catarina e destacou que o objetivo traçado por Zulema e Raquel evidencia a tradição das cervejarias da Ordem Trapista, sendo algumas delas integrantes de um seleto grupo reconhecido pela qualidade da bebida que produzem.

Dos 171 mosteiros trapistas do mundo, apenas 13 pertencem a comunidades cujas fábricas hoje possuem o selo de autenticidade concedido pela Associação Trapista Internacional nos rótulos das cervejas que produzem. São eles: Achel, Chimay, Rochenfort, Orval, Westmalle e Westyleteren (todos da Bélgica); La Trappe e Zundert (ambos da Holanda); Engelszell (Áustria), Spencer (Estados Unidos), Tre Fontane (Itália), Tynt Meadow (Inglaterra) e Mont-des-Cats (França).

“Historicamente é muito comum (a produção de cerveja por monges), mas eu acho muito legal essa questão de monjas do Brasil, da Ordem Trapista, começarem essa história. E, por serem mulheres, é mais legal ainda, a escola (ESCM) super apoia. A gente sempre teve essa questão da inclusão e da diversidade. E, neste caso, também é um resgate cultural”, enfatiza Bressiani.

O diretor afirmou que as monjas se adaptaram bem à rotina de estudantes na faculdade neste segundo curso que estão fazendo presencialmente. E isso ao mesmo tempo em que mantêm os hábitos exigidos pela vocação religiosa.

“Elas ficaram em locais onde têm monjas em Blumenau. Então, elas não estavam com o pessoal tomando cerveja nos bares, fora do horário do curso. Elas se retiram, têm voto de silêncio, têm todos os horários da Ordem (Trapista) a cumprir. O pessoal (alunos  do curso e professores) se deu muito bem com elas, que são muito simpáticas”, destaca Bressiani.

Quem são as irmãs trapistas cervejeiras?
Inspiradas no apoio de abades belgas que produzem cerveja e ajudaram a erguer o mosteiro em Rio Negrinho, cuja construção foi totalmente concluída apenas em 2017, as monjas Zulema e Raquel começaram a fazer cursos na ESCM depois de os representantes estrangeiros terem incentivado a instituição em Santa Catarina a produzir a bebida e comercializá-la para ajudar a sustentar o local.

Zulema é chilena e vive no Brasil há 12 anos. E está empolgada com a possibilidade de montar com Raquel uma cervejaria que ajudará a manter o mosteiro onde vive desde 2013. “Nós conhecemos e estudamos os mosteiros que produzem cerveja, mas não pensamos que seria possível nos envolvermos nesse projeto. Como gosto muito de estudar, estamos buscando conhecimento para evoluir e apoiar a nossa comunidade e outras comunidades no mundo”, ressalta a chilena, por meio de declarações divulgadas pela assessoria de imprensa da ESCM.

Raquel lembra que o fato de elas estarem estudando para montar uma cervejaria colabora para desmistificar opiniões de quem acha que as monjas têm uma vida feita somente por regras a cumprir. “Quero que, quando provem a nossa cerveja, as pessoas se conectem também com uma visão mais leve e feliz do que significa a nossa vocação religiosa, porque nós somos muito felizes vivendo desta forma”, diz. 

As irmãs trapistas se tornaram monjas que integram um mosteiro que é fruto de ações realizadas inicialmente por duas comunidades: a de Nossa Senhora de Quilvo, que visava ampliar a sua atuação para outros países, e a Novo Mundo, casa masculina trapista que desejava criar uma casa da mesma Ordem para as mulheres. E em 2010 as monjas chegaram em Rio Negrinho para a construção do mosteiro.

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