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Mulheres negras ganham visibilidade, mas lutam contra desafios históricos no setor

mulheres negras
Apesar de apontarem avanços, mulheres negras ainda cobram mais oportunidades e reconhecimento no segmento

Durante séculos, as mulheres negras têm travado batalhas em busca dos seus direitos de liberdade e participação em todas as esferas da sociedade. Mas, ainda hoje, o racismo e o machismo permanecem como questões enraizadas no cotidiano, principalmente em segmentos majoritariamente ocupados por homens e brancos, como é o caso do setor de cervejas artesanais do Brasil.

O segmento, inclusive, passou pela exposição de acontecimentos de racismo e machismo em 2020. E, após o levante que veio como consequência destes atos, a percepção de mulheres negras que atuam diretamente no segmento é que o mercado tem ouvido e aberto mais espaços à inclusão. Entretanto, apesar do movimento de mulheres negras estar ganhando visibilidade e força no setor cervejeiro, a lista de empecilhos enfrentada por elas ainda é grande.

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A sommelière Sara Araújo, que se tornou um dos grandes nomes da luta após sofrer ataques racistas e sexistas, pontua que a presença da mulher negra no mercado da cerveja ainda é tímida, em termos percentuais, mas avalia já ser possível ver mudanças acontecendo. “Não podemos dizer que há uma inclusão, mas o mercado está sinalizando um caminho de mudança. Espero que não retroceda”.

Ela cita que escolas cervejeiras estão ofertando bolsas de estudos, formando essas profissionais e as inserindo no mercado de trabalho. O resultado destas iniciativas é que já há mais mulheres negras em cargos de relevância, como Cinarah Gomes, da cerveja Serafina, Dani Souza, chef da Cozinha Omi Odara, Adriana Santos, cervejeira caseira e sommelière de cervejas, Madu Victorino e Jessica Gomes, que recentemente assumiram a área de cultura cervejeira da Estrella Galícia, Vanessa Nobre, do Grupo Heineken, Tamara Nogueira, na Baden Baden, Carol Garrido, que é gerente de Brand PR na Ambev, Janaína Assumpção, diretora da Lab do Grupo Heineken, e Danielle Lira, sócia fundadora do Torneira Bar.

“Existem outras que vêm fazendo um belo trabalho no ecossistema cervejeiro e todos ganhamos com pluralidade e diversidade de vozes. Ainda somos poucas, comparadas com a porcentagem populacional de pessoas negras que compõem a sociedade brasileira, que, segundo o IBGE, são quase 60%”, completa Sara.

Para Juliana Barauna, das Pretas Cervejeiras, ainda há muito o que avançar em relação à presença de mulheres negras, tanto enquanto profissionais, quanto consumidoras, mas definitivamente não é mais possível ignorar suas presenças. “Nos mobilizamos, individualmente e coletivamente para ocupar os mais diversos espaços, inclusive o mercado cervejeiro. E projetos como o Torneira Bar, liderado pela Dani Lira, e o próprio Pretas Cervejeiras são exemplos disso”, conta.

Dani Lira, sócia do Torneiras Bar, também destaca a conquista de espaço pelas mulheres negras no segmento. “Percebo que o setor vem mudando, temos muitas mulheres pretas profissionais no mercado cervejeiro”, afirma. Contudo, também reforça que há vários negócios desconhecidos ou sem a devida visibilidade. “Entendo que a representatividade fortalece outras a elevarem seus negócios no setor, é aquele ditado: uma puxa a outra”, diz.

“Ainda tem muito pouca a presença de mulheres pretas no mercado cervejeiro artesanal”, pontua a cervejeira Dani Souza, chef da Cozinha Omi Odara, que também compartilha da opinião de que o movimento das mulheres negras tem gerado resultados. “Aos poucos, nós, mulheres pretas, vamos retomando o que é nosso. Existem algumas mulheres no setor já. Poucas, mas existem”, completa.

Uma série de empecilhos
Juliana Barauna pontua que uma das grandes barreiras de acesso ao mercado de trabalho é a educação. Até por isso, o Pretas Cervejeiras também atua como um coletivo de apoio à educação, fomentando o diálogo no setor e a busca por ampliar a presença da mulher negra no setor. “Nos dedicamos a construir pontes entre organizações educacionais cervejeiras e mulheres negras que desejam atuar no mercado”, afirma.

Já a chef da Cozinha Omi Odara lembra que a desigual distribuição de renda reforça a dificuldade de inclusão da mulher no mercado cervejeiro, com o dinheiro concentrado nas mãos de um grupo seleto colaborando para perpetuar o machismo e o racismo estrutural.

Não temos dinheiro suficiente. Meu sonho, por exemplo, é ter uma cervejaria própria para parar de passar pelos perrengues que passo como cervejeira cigana. Dependo da cervejaria de homens brancos que na maioria das vezes falam que eu não sei fazer cerveja e que cerveja não é a mesma coisa de cozinha

Dani Souza, chef da Cozinha Omi Odara

Para Dani Lira, ainda é necessário enfrentar preconceito e racismo em sua atuação, camuflados como “surpresa” quando descobrem que ela é sócia do Torneira Bar. “Sinto que, de alguma forma, nossos corpos ainda não são valorizados como profissionais. Ainda observo muitas marcas propondo vínculos ‘profissionais’ no sentido de uma autopromoção quando se fala de inclusão e diversidade, contudo, não visando uma remuneração justa para tal atividade”, diz.

Sendo mulher e preta, a chef da Cozinha Omi Odara lamenta que ainda seja preciso mostrar para todos “10 vezes mais” o que faz. “Isso porque sou da área da gastronomia há 10 anos, como chef de cozinha, além de tecnóloga em cerveja e sommelier. E faço minha própria cerveja desde 2018, porque nunca me senti representada em nenhuma das existentes”, conta Dani.

A falta de mais apoio do setor é outra grande dificuldade para que essas mulheres possam desenvolver suas potencialidades, sendo que necessitariam de muitas precisam de oportunidade aliada ao incentivo à profissionalização, como analisa Sara. “Um exemplo de que oportunidade muda vidas, é a Tamara Nogueira. Convido vocês a ouvirem o podcast Hora do Gole. Ela conta como se transformou na atual joia da cervejaria Baden Baden. Isso só foi possível porque alguém lhe deu uma oportunidade”, comenta.

Urgência de mais ações
Se a lista de barreiras a transpor é longa, mais ações efetivas para aumentar a participação da mulher negra no setor de cervejas artesanais segue sendo urgente. “Bato na tecla da oportunidade, aliada com a equidade. Quanto mais mulheres negras em posição de alteridade, em espaços de elaboração e desenvolvimentos de potencialidades e sendo referenciadas, mais mulheres se sentirão parte e, com isso, convidadas a participar e transformar o mercado”, defende Sara.

Juliana ressalta ainda que, para uma mudança de fato, é fundamental que as empresas coloquem em prática ações que promovam a diversidade. “Desde abrir oportunidades para contratações, oferecendo salários igualitários e oportunidade de desenvolvimento, até mesmo a conscientização de todo o quadro de colaboradores em relação à diversidade e inclusão.”

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Investir nas mulheres pretas também é a aposta da chef da Cozinha Omi Odara. “Dar cursos, criar bolsas [de estudo] e contratar. E, também, remunerar mulheres cervejeiras da mesma forma que os homens brancos.”

Já os eventos e projetos que elevem a imagem da mulher negra ao protagonismo são uma das grandes possibilidades colocada pela sócia do Torneira Bar para dar visibilidade a elas. “Trazer não só a profissional preta do meio em momentos de falas sobre pautas raciais, contudo, valorizar o intelecto e conteúdo da profissional preta”, completa Dani Lira.

Festival Tereza de Benguela

Se é unânime entre as profissionais cervejeiras que a acolhida faz toda a diferença, a vontade de transformar não falta. Em 23 de julho, por exemplo, o Torneira Bar, em São Paulo, recebeu o 1º Festival Tereza de Benguela Cervejeiras, evento que reuniu inúmeras mulheres negras que lutam pela inclusão.  O encontro antecedeu o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho.

Historicamente chamada de “Rainha Tereza”, Tereza de Benguela foi uma líder que comandou o quilombo de Quariterê, no século XVIII, e se tornou símbolo da luta da mulher negra por igualdade de gênero e raça. Em sua homenagem, em 25 de julho também se celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Com patrocínio da Spaten, o festival contou a história de mulheres pretas deste mercado, suas conquistas e mostrou as múltiplas vozes que compõem a narrativa dentro deste ecossistema. Além de um resgate histórico da data, a programação contemplou palestras sobre harmonização, história da cerveja e consumo responsável.

Ainda houve conversa com mulheres negras do mercado cervejeiro, palestra sobre processo de fabricação da cerveja e um mini sarau com poesias. O festival também teve campanha de doação com todo o alimento arrecadado destinado à ONGs que auxiliam mulheres negras em situação de vulnerabilidade social.

A iniciativa teve organização de Sara, Dani Souza, Dani Lira, Adriana Santos, Cinara Gomes e Rozilene Sá.

Foi incrível a reunião dessas mulheres pretas tão potentes no mercado cervejeiro. Já era um sonho antigo de todas. Então, quando a Sara Araújo trouxe a lembrança da data, o dia 25 de julho, soubemos que era o melhor momento para esse projeto acontecer. Observar a presença de tantas outras profissionais pretas de outros setores do mercado, foi muito importante. O sentimento é de união, apoio e valorização dos nossos corpos

Danielle Lira, sócia fundadora do Torneira Bar

“Colocamos um festival de pé em um mês e com uma marca patrocinando. O evento foi lindo, e só foi possível porque tivemos aliados/as para nos apoiar”, diz Sara. “Apoiem os projetos das mulheres negras, trans e indígenas, as capacitem. O mercado só tem a crescer. Apoiem as mulheres plurais, assim como o mercado apoia projetos de maioria masculina”, conclama.

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