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Mais destilados e mulheres: Tendências na relação entre bebidas e música

Cerveja já não tem mais o protagonismo de outrora na representação das bebidas em músicas, apontam especialistas

Água, malte, lúpulo e levedura são os ingredientes básicos de uma cerveja. Mas a união deles não basta para que uma bebida seja boa. É preciso encontrar uma combinação certeira. A mesma lógica serve para a música, com a união de notas, de letras e de arranjos que pode se transformar em um poderoso unificador entre as pessoas. Essas junções se tornam ainda mais fortes quando a música e a cerveja – ou outras bebidas alcoólicas – caminham juntas, como se deu em vários momentos marcantes na sociedade brasileira, moldando comportamentos e tendências.

É impossível, por exemplo, imaginar uma roda de samba sem vários copos de cerveja ou deixar de associá-la a grandes nomes da música nacional, como João Nogueira. Além disso, a música serviu para eternizar a relação com a cerveja em letras interpretadas por bandas como Skank e Chico Science & Nação Zumbi, na década de 1990. Mas, recentemente, a música e a cerveja traçaram outras tendências nessa representação, como uma maior presença feminina, seja na interpretação ou como personagens dessa relação. Além disso, a cerveja perdeu parte do seu protagonismo, dividindo espaço com outras bebidas.

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Essa união, claro, não passou ilesa pelas cervejarias, que se utilizam há décadas do poder musical para alavancar a venda e o consumo da bebida no Brasil, com o caso mais óbvio sendo o de Zeca Pagodinho, garoto-propaganda por anos da Brahma. A parceria com o cantor ficou tão marcada que ele foi homenageado no carnaval de 2020 com uma estátua de bronze criada pela marca e que circulou nas ruas do Rio de Janeiro.

Outras grandes marcas da Ambev, por exemplo, investem em ações de marketing com artistas. São os casos da Skol, com a parceria envolvendo Wesley Safadão, e da Bohemia, com Gusttavo Lima. Acordos pensados no posicionamento de mercado, sob a percepção do gosto musical do seu público-alvo.

E essa busca associativa também é vista em refrões, como “E pra sair da solidão, latinha na mão, latinha na mão”, da parceria de Leonardo com Zeca Pagodinho, tendo marcado época, em uma ligação da cerveja com o pagode e o sertanejo que se amplia nos últimos anos.

Recentemente, o ex-BBB e cantor Rodolffo, que faz dupla com Israel, viu Batom de Cereja, que traz a cerveja no refrão, chegar ao topo das paradas musicais no Brasil. O clipe da música no YouTube acumula mais de 127 milhões de visualizações. No Spotify, a faixa já foi reproduzida mais de 56 milhões de vezes.

Maior presença feminina
Ao longo dos últimos dez anos, alguns estudos trouxeram à luz da discussão inúmeros fatores que influenciam o consumo de cerveja no Brasil e sua presença, direta ou indiretamente, na música e em comerciais, como ressalta Yuri Moita, chef e mestre em Educação e Gestão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em inovação.

De acordo com ele, a questão de gênero está envolvida em mudanças no padrão de consumo, com as mulheres tendo passado a beber mais cerveja. E com o aumento do poder aquisitivo, elas se tornaram seletivas, também consumindo mais as artesanais. Um movimento percebido e que se reflete na produção artística.

Um exemplo de associação feminina com a cerveja na música brasileira é o da cantora sertaneja Marília Mendonça. Ela destaca a bebida em músicas, como O Copo de Cerveja, ou em fotos nas redes sociais.

“Artistas e empresários têm seu olhar voltado a entender e satisfazer a necessidade do seu público. De modo direto, o público mudando, a área artística necessita acompanhar. Em um mundo globalizado e de alta competitividade, empresas e empresários precisam seguir tendências de consumo de seus públicos”, reflete Moita.

Com diversas pesquisas na área de bebidas, Vitor Manfroi, professor do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que essa tendência – de aumento do consumo de bebidas alcoólicas pelas mulheres e maior representação dessa atividade na música – deve-se, principalmente, ao empoderamento feminino.

Acredito que as mulheres estejam ampliando seu espaço em todas as áreas, incluindo a música, as artes, e o consumo de bebidas. E elas beberem mais, e falarem ou cantarem sobre isso, passa, pura e simplesmente, pela mulher estar assumindo uma atitude de escolhas, de fazer o que gosta, de aumento do prazer, sem amarras ou preconceitos

Victor Manfroi, professor do ICTA da UFRGS

A vez das destiladas
Além do aumento da representação feminina na música, outra tendência é que o protagonismo de outrora da cerveja não é mais o mesmo, dividindo espaço com outras bebidas, como as destiladas.

Moita explica que o fator de maior influência na escolha de uma bebida alcoólica é a ocasião social, sendo que a cerveja reina em bares e restaurantes. Um cenário diferente entre os frequentadores de casas de show, entre outros estabelecimentos, que têm mudado o perfil de consumo.

Levando em consideração a mudança de gênero, estudos destacam que o público feminino é mais influenciável por família, amigos e ocasiões na escolha de bebidas e está disposto a gastar mais neste quesito. Assim, é possível entender que o público feminino, mais exigente e criativo, possibilita a locais de show a mudarem seus cardápios, incluindo e expandindo opções. Portanto, com o público e seu perfil de consumo mudando, a arte, como reflexo da sociedade, precisa se adaptar

Yuri Moita, chef e mestre em Educação e Gestão pela UFRJ

Já Manfroi avalia que a troca da cerveja por outras bebidas nas letras musicais se dá pelo desejo de ostentação de um produto tradicionalmente mais caro. “Pode ser que escrever e cantar utilizando bebidas mais caras do que a cerveja possa parecer que a música ou estilo musical atinja outro patamar de qualidade. Por outro lado, também acredito que a ‘geração saúde’ esteja consumindo menos bebidas alcoólicas, e aí possa estar diminuindo a citação de todas as bebidas alcoólicas nas letras de músicas, e não só da cerveja.”

O professor da UFRGS avalia, porém, que ainda há muito apelo pela cerveja, seja por fatores sociais ou climáticos, o que a mantém presente nas músicas. “A questão econômica também é importante, pois sendo jovens, em sua maioria, os que gostam destes gêneros optam por consumir bebidas mais baratas, caso da cerveja. Ainda, entra um componente regional e, principalmente, climático, ou seja, em locais mais quentes, na maior parte do nosso país tropical, o consumo de cerveja é facilitado, e mesmo sugerido, exatamente, por estas temperaturas mais elevadas.”

Para Moita, por sua vez, a ampliação da produção artística, a diversificação de estilos, a mudança de paladar e a absorção de influências, somadas, explicam a proliferação de destilados e drinques coloridos em bailes funk. “Basta observarmos a tendência de consumo de millenials e é possível perceber que não existe diferenciação de consumo quanto ao gênero do público, mas sim por fatores econômicos e sociais”, comenta o mestre pela UFRJ.

“A geração Y vem consumindo, na verdade, mais tudo: de cultura a bebidas”, completa o professor Manfroi, destacando que isso se deve ao crescente individualismo da sociedade, com o consumismo muitas vezes desenfreado sendo uma marca desse modo de viver.

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