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Balcão da Chiara: Artesanal é sinônimo de qualidade?

O termo “artesanal” se popularizou junto com o movimento de crescimento das microcervejarias no país. Existem interpretações e uma comunicação de parte do mercado com alegações de qualidade como sinônimo do termo “artesanal”, apesar de não haver uma definição ou regulamentação específica do órgão regulamentador e fiscalizador, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

O problema não está na utilização do termo em si, mas no conceito errôneo do que é qualidade. Isso não é só uma questão semântica. A qualidade pode ter diversas definições, mas aqui vamos focar em duas coisas importantes: o produto precisa atender às expectativas e é preciso ter consistência. Quando escrevo sobre consistência, escrevo, sim, sobre padronização, algo possível em fábricas de qualquer porte, sem tirar o encantamento do “produto artesanal”. E quando pensamos em atender expectativas, é preciso ir além do discurso e atentar para as práticas dentro da cervejaria. Mudanças são urgentes e necessárias para retomar o crescimento, com base na gestão para melhoria e consistência da qualidade, redução de custos e desenvolvimento das pessoas, para além da justificativa dos impostos.

Qualidade é um investimento, assim como equipamentos, estrutura, matérias-primas, publicidade e equipe. Não é apenas “gostar” ou “não gostar” do produto; vai além do controle: a chave está na gestão! Romantizar o discurso de “fazer cerveja” no braço não é profissional e não vai fazer a cervejaria crescer e se manter estável.

Partindo do início, os objetivos da qualidade devem estar alinhados com o objetivo da cervejaria, portanto a gestão da qualidade deve ser pensada desde os primeiros passos da cervejaria, deve haver uma política de qualidade. Além de toda questão legal de atendimento das regras de higiene, é importante montar o seu sistema de gestão. Da mesma forma como é planejado o volume, os fermentadores e o plano de crescimento da cervejaria, deve ser avaliada, também, a estrutura necessária para garantir a qualidade do seu produto. A estrutura não se limita a um laboratório, mas inclui capacidade de medição e acompanhamento do processo, análise dos dados, pessoas, treinamentos, estrutura física e o modelo de gestão que a cervejaria terá.

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A justificativa de falta de recursos não se aplica, porque considerando algumas questões como reaproveitamento de levedura (de maneira segura), de retrabalho ou descarte de produto, o investimento já será compensado. Você pode calcular o retorno financeiro, ou a redução dos custos, mas além de tudo, haverá, com toda certeza, um aumento da qualidade do produto.

Na estratégia da empresa, é importante definir o organograma, com papéis e responsabilidade claras. Pode parecer óbvio, mas tenho visto a maioria das cervejarias sem uma definição de cargos, resultando em tarefas confusas e desvios de função.

Outros passos são a descrição e mapeamento do processo, identificação das tarefas críticas e itens de controle, definição dos procedimentos, medição e monitoramento. Quem não mede, não gerencia. Porém, medir e não analisar os dados também não adianta muito. Sabe aquelas folhas de fermentação que a gente vê penduradas nos tanques? Aquelas que saem dali e vão para o lixo ou para uma pasta que jamais será checada? Estes dados são preciosos, e faz parte do papel do(a) cervejeiro (a) analisa-los para tomada de decisões. Se os dados não têm relevância, as pessoas param de registrar. Os registros são importantes não só para análise dos dados, mas também para que seja possível realizar a rastreabilidade, que é um requisito legal pela RDC 655 de 2022 da Anvisa e IN 05 de 2000 do MAPA.

É fundamental a implementação de programas de qualidade como: 5S, BPF, APPCC, Gestão Sensorial, Gestão Microbiológica, Físico-química, Shelf life. Para isso, é preciso pessoas treinadas, que conheçam as ferramentas da qualidade para melhoria dos processos e tratamento das anomalias.

A gestão da qualidade não trata apenas da qualidade intrínseca do produto; ela envolve melhoria da performance, redução de custos, de retrabalhos e de falhas. O primordial para alcançar isso é fazendo com que todos acreditem e que seja prioridade. Uma cervejaria de excelência, não importa o porte, precisa buscar a melhoria contínua dos seus processos e produtos, tendo consistência nos resultados para se tornar cada vez mais competitiva.   


Chiara Barros é proprietária do Instituto Ceres de Educação e Consultoria Cervejeira. Engenheira Química, especialista em Biotecnologia e Bioprocessos, em Gestão da Qualidade e Produtividade e em Segurança de Alimentos, além de cervejeira e sommelière de cervejas.

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