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Balcão do Profano Graal: Histórias de imigrantes – Os pioneiros da cerveja no Sul do Brasil

Nesta segunda-feira (25), se comemora o Dia da Imigração Alemã no Brasil, um país formado por imigrantes. E os imigrantes alemães estavam entre os primeiros a chegar ao país recém-independente, ainda em 1824. Como todo aquele que decide deixar para trás o seu país de origem, esses indivíduos eram atraídos pelas promessas de uma vida melhor, com prosperidade econômica e liberdade religiosa.

Os alemães formam o 4º maior contingente de imigrantes chegados ao Brasil, atrás apenas de italianos, portugueses e espanhóis. Foram cerca de 250 mil indivíduos que se mudaram para o País entre 1824 e 1969, sendo que, ao longo da primeira metade do século XIX, eles foram imigrantes quase exclusivos. A maior parte desse contingente foi se instalar nas províncias do Sul do País, onde o governo imperial, os governos provinciais ou mesmo companhias particulares de colonização estabeleceram colônias agrícolas, como as de São Leopoldo (RS), São Pedro de Alcântara, (SC) e Rio Negro (PR).

É inegável a importância desses indivíduos para a disseminação da produção de cerveja em território brasileiro. Um migrante pode até não carregar muitas malas consigo, mas ele levará sempre a sua bagagem cultural. E a produção e consumo de cerveja estão enraizados na cultura dos povos germânicos desde tempos imemoriais. Basta lembrar que o mais antigo vestígio arqueológico de produção de cerveja na Europa é uma ânfora datada do século VII a.C., encontrada em Kulmbach, na atual Baviera.

Por isso, como forma de homenagear os imigrantes alemães, nesse mês, quero falar da biografia de três desses pioneiros da cerveja no Sul do Brasil.

Começamos por George Heinrich Ritter (1822-1889), natural da cidade de Kempfeld, que chega ao Brasil em 1846, com 24 anos, acompanhado pelos pais e cinco irmãos. Nos anos iniciais, trabalhou como agricultor, mas depois de algum tempo abriu a primeira casa comercial de Linha Nova (RS). Ritter tinha aprendido o ofício de cervejeiro com seu tio Roth, na Francônia, e passou a produzir cerveja no sótão de casa para abastecer o seu negócio. E, em 1868, já como próspero negociante e líder comunitário local, fundou a sua cervejaria, a primeira da Província de Rio Grande do Sul.

Menos de um ano após chegar ao Brasil, George se casou com Elizabeth Fuchs (1827-1868), que conheceu ainda no navio que os trazia da Europa. Com ela, teve 9 filhos. Após a morte de Elizabeth se casou com Maria Margarethe Konrad (1828-1913), viúva do seu irmão Friedrich George Ritter (1822-1863), com quem teve mais dois filhos. Em 1883, com 61 anos, retornou para a Alemanha, com a esposa e os quatro filhos mais novos, deixando suas propriedades em Linha Nova aos cuidados dos filhos mais velhos.

Mas em 1889 resolveu voltar para o País onde fez sua vida, falecendo em Linha Nova em 13 de março daquele mesmo ano. Dois de seus filhos levaram adiante a tradição cervejeira da família, fundando importantes cervejarias no Rio Grande do Sul: Heinrich Ritter Filho (1848-1921), com a H. Ritter e Filhos, em Porto Alegre; e Karl Ritter (1853-1926), com a Cervejaria C. Ritter & Irmão, em Pelotas.

Natural de Nidau, na Suíça, o mestre cervejeiro Albretch Gabriel Schmalz, de 31 anos, sua esposa Margaretha Zenger Schmalz, de 32 anos, e seus cinco filhos receberam 1.750 francos de uma assembleia comunitária (espécie de organização política regional) e com esse dinheiro resolveram se transferir para o Brasil. Partiram do porto de Hamburgo em março de 1952 a bordo do navio Emma & Louise, e após 63 dias de viagem desembarcaram no porto de São Francisco do Sul (SC). A princípio, o plano de Schmalz era se instalar no Rio de Janeiro. Porém, chegou 15 dias atrasado ao porto e perdeu o navio. Sim, no século XIX, as pessoas não se atrasavam 15 minutos, mas 15 dias. A concepção de tempo era outra.

Sem conhecer a geografia local, imaginou que aportando no Sul seria mais fácil rumar depois para o Sudeste. Mas as dificuldades de locomoção existentes no Brasil de meados do século XIX foram logo sentidas e a família decidiu fixar raízes na região. Instalaram-se na Colônia Dona Francisca, fundada em 1849 pela companhia de colonização organizada pelo senador da cidade de Hamburgo Christian Matthias Schroeder, em terras pertencentes ao dote de casamento da princesa D. Francisca de Bragança (filha do imperador D. Pedro I) com o príncipe de Joinville, Francisco de Orleães (filho de Luís Filipe I, rei dos franceses de 1830 a 1848). Batizada em homenagem à princesa, pouco tempo depois a colônia mudaria de nome, passando a se chamar Joinville.

A família Schmalz adquiriu um lote na chamada Deustche Pikade, também conhecida como Matthias Strasse, que posteriormente virou rua Comandante Saturnino Mendonça e hoje é conhecida como rua Visconde de Taunay. Ali construiu sua casa e, com máquinas importadas da Suíça, aproveitando-se das águas do Ribeirão Mathias e utilizando o milho como insumo (na falta de cevada ou trigo), instalou a sua cervejaria, a primeira de Santa Catarina. Albretch Gabriel Schmalz faleceu apenas 10 anos depois, em 22 de dezembro de 1862. Sua esposa, com a ajuda dos filhos, passou a administrar a cervejaria até 1880, quando foi vendida. Sete anos depois, em 25 de maio, Margaretha morreu aos 67 anos.

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Na Colônia Dona Francisca vivia também Johann Leitner, natural de Schwarz, no Tirol austríaco, chegado ao Brasil no navio Emma em 13 de janeiro de 1858, com 24 anos. Ainda em Joinville se casou com Marie Lenkt. O casal teve 8 filhos. Em 1868, mudaram-se para Curitiba, instalando-se na rua das Flores (atual rua XV de Novembro). Não se sabe muito sobre a vida de Leitner antes de chegar ao Brasil. Na lista de passageiros do seu navio foi registrado como “lavrador”, mas o jornal O Dezenove de Dezembro, na edição de 17 de abril de 1869, já o tratava como cervejeiro e com o seu nome “aportuguesado”: “Vinagre superior. Vende-se em casa do cervejeiro João Leitner – rua das Flores”. Naquele ano, então, já deveria estar em funcionamento a sua Fábrica de Cerveja Tivoli, a primeira de Curitiba. A boa aceitação da sua cerveja incentivou o surgimento de outras fábricas como as de Johnscher, Mensing, Weigang, Schulze, Fleischmann, Engelhart, Bengson e Iwersen.

Além da cervejaria, Leitner também abriu uma pensão na sua própria casa, segundo anúncio publicado no mesmo jornal O Dezenove de Dezembro em 1º de março de 1873: “Alugam-se três quartos com suas competentes alcovas, em casa do cervejeiro João Leitner podendo os alugadores tomar sua alimentação do mesmo dono da casa. Curitiba, 28 de Fevereiro de 1873”. O sucesso dos seus empreendimentos levou à abertura de um hotel já no ano seguinte:

“Ao hotel Leitner acaba de chegar um grande e variado sortimento de armarinho e modas, o que há de maior novidade e melhor gosto. Convida-se, pois, os Srs. negociantes e o respeitável público, que se dignem visitar este estabelecimento; porque tendo feito grande redução nos preços e sendo para liquidar, facilitará assim inteiramente as vendas”. (O Dezenove de Dezembro, 29 de abril de 1874)

Mas o empreendimento de Leitner no ramo hoteleiro não durou muito, pois o mesmo jornal anunciou a venda do hotel para Mostaert & Cia. em 12 de agosto de 1882. Johann Leitner morreu em 1891 e a fábrica passou para a responsabilidade de seus filhos Luiz e Julio. Eles deram continuidade ao trabalho de cervejeiro do pai, expandindo os negócios com a compra das instalações da fábrica de cerveja Johnscher & Irmão (falida em 1902), rebatizada de Cervejaria Tivoli e, depois, de Cervejaria Cruzeiro. 

Três homens, três origens diferentes, que partilhavam a mesma cultura germânica (ou quase), o mesmo amor pela cerveja e a mesma esperança de começar uma vida nova e próspera muito longe das suas regiões de origem. Apenas mais três imigrantes comuns entre outros 250 mil, mas que fizeram a diferença para a disseminação da cultura cervejeira no Brasil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

A ousadia dos Schmalz. Swissinfo.ch. 27/12/2011. Disponível em: A ousadia dos Schmalz – SWI swissinfo.ch

ARQUIVO HISTÓRICO DE JOINVILLE. Listas de Imigrantes 1851-1902. Coleção Memória da Cidade Carlos Ficker. Prefeitura de Joinville, 1999.

COUTINHO, Carlos Alberto Tavares. Cervejaria Ritter 1 – Cervejaria Georg Heinrich Ritter. Cervisifilia: a história das antigas cervejarias. 28/09/2010. Disponível em: A História das Antigas Cervejarias: Cervejaria Ritter 1 – Cervejaria Georg Heinrich Ritter (cervisiafilia.blogspot.com)

COUTINHO, Carlos Alberto Tavares. Cervejaria Schmalz. Cervisifilia: a história das antigas cervejarias. 26/11/2011. Disponível em: A História das Antigas Cervejarias: Cervejaria Schmalz (cervisiafilia.blogspot.com)

COUTINHO, Carlos Alberto Tavares. Fábrica de cerveja João Leitner / João Leitner & Filhos / J. Leitner & Irmão / Luiz Leitner & Cia. / Tivoli / Cervejaria Cruzeiro / Viúva Luiz Leitner & Filhos. Cervisifilia: a história das antigas cervejarias. 22/04/2011. Disponível em: A História das Antigas Cervejarias: Fábrica de Cerveja João Leitner / João Leitner & Filhos / J. Leitner & Irmão / Luiz Leitner & Cia / Tivoli / Cervejaria Cruzeiro / Viuva Luiz Leitner & Filhos (cervisiafilia.blogspot.com)

DUARTE, Tiaraju Salini; LOURENÇO, William Martins; FONTANA, Guilherme. Origem, ascensão e decadência das cervejarias no Estado do Rio Grande do Sul: um recorte espaço-temporal do século XIX e XX. Caminhos de Geografia. Uberlândia – MG, v. 21, n 73, março 2020, p. 368-379.

GLASER, Niroá Zuleika Rotta Ribeiro. Famílias do velho mundo no comércio do Paraná. Curitiba: Editora Senac Paraná, 2011.

Imigração alemã no Brasil. Wikipedia: a enciclopédia livre. Disponível em: Imigração alemã no Brasil – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

KÖB, Edgar. Como a cerveja se tornou bebida brasileira: a história da indústria de cerveja no Brasil desde o início até 1930. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 161 (409), 2000, p. 29-58.

SEYFERTH, Giralda. Imigração e colonização alemã no Brasil: uma revisão da bibliografia. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 25, 1988, p. 3-55.

SEYFERTH, Giralda. A dimensão cultural da imigração. Revista Brasileira de Ciências Sociais. V. 26, nº 77, Outubro 2011, p. 47-62.


Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História.

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