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Entrevista: Controle microbiológico no setor é investimento, e não gasto

Doutor em microbiologia, Carlos Henrique Menezes também aponta que casos de contaminação cervejeira cresceram durante a pandemia

Virtualmente todas as pessoas interessadas em cerveja têm pelo menos uma mínima noção de que o processo de produção depende de um micro-organismo chamado levedura. Uma parte, no entanto, não sabe que o controle microbiológico – ou seja, da presença de outros micro-organismos – no ambiente de produção pode determinar o sucesso ou o fracasso de uma cerveja ao evitar casos de contaminação.

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Segundo Carlos Henrique Menezes, que é doutor em microbiologia e co-fundador da DrYeast e da DrFlavour, produtora de cepas de leveduras e bactérias para cervejas e de kits de análises sensoriais, respectivamente, a pandemia do novo coronavírus provocou uma desaceleração abrupta na produção de diversas cervejarias, o que foi minimizado quando o delivery de growlers se estabeleceu como método comum de vendas. E, nessa retomada, muitas cervejarias “relaxaram” medidas de limpeza e sanitização em nome da agilidade.

“Temos analisado muitas cervejas no laboratório que, antes da pandemia, não tinham qualquer sinal de contaminação e que, durante esse período, têm tido resultados positivos para contaminações por bactérias do ambiente cervejeiro”, aponta Menezes.

Assim, o especialista considera que os gastar com testes e controle microbiológico pode ser encarado como um investimento, que previne contra a possibilidade de perder a produção toda por contaminação.

Em entrevista ao Guia, o autor de alguns dos livros mais influentes sobre o assunto no Brasil, como Bacteriologia e Micologia para o Laboratório Clínico e Microbiologia da Cerveja, fala também sobre a importância do conhecimento do assunto para cervejeiros na prática – e dos obstáculos que essa ciência enfrenta no Brasil.

Confira a entrevista completa com Carlos Henrique Menezes, doutor em microbiologia, co-fundador da DrYeast e da DrFlavour e autor do livro Microbiologia da Cerveja.

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Quão essencial é conhecer a microbiologia cervejeira antes de se aventurar no mundo da fabricação?
A microbiologia é a base da produção de cervejas. Desde os primórdios, quando as cervejas mais antigas foram produzidas (no início, até sem querer!), é a microbiologia que atua nos grãos com a água, proporcionando aos microrganismos ali presentes se multiplicarem e, alguns deles, produzirem álcool quando encontram açúcares fermentáveis adequados provenientes de alguns grãos, como trigo e cevada.

Como o conhecimento do assunto pode potencializar a criatividade do cervejeiro e beneficiá-lo em um mercado tão competitivo?
Conhecer os diversos microrganismos envolvidos nos processos de produção de cerveja é fundamental, e não só conhecer a levedura Saccharomyces, principal responsável pela produção das maravilhosas cervejas que bebemos. É de suma importância conhecer os microrganismos contaminantes, aqueles que estão presentes nos insumos, nos equipamentos, nos cervejeiros e nas diversas áreas da produção (constituindo o que chamamos de “microbiota autóctone do ambiente cervejeiro”). Esses microrganismos, onde estão, não são um problema para a cerveja. Mas, quando entram no processo produtivo da bebida (por falta de higiene ou procedimentos inadequados e não assépticos), podem deteriorar a cerveja, levando à perda de todo o lote.

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Quais são os pontos críticos em que microrganismos contaminantes podem se desenvolver na produção cervejeira? E como o controle de qualidade se torna importante para evitá-los?
Como citei anteriormente, diversos microrganismos estão presentes no “ambiente” cervejeiro. Fazer com que eles não façam parte do processo é o que é difícil, mas não impossível. Assim, medidas adequadas de controle de qualidade devem ser tomadas. Devem ser realizadas análises microbiológicas em cada mosto produzido e, também, durante a fermentação e no produto final, além de se fazer uma busca ativa por contaminantes em tinas, válvulas, tanques de fermentação, linhas de envase, etc. Assim, documentando tudo isso, pode-se assegurar as boas práticas na fabricação da bebida e conseguir uma homogeneidade lote a lote.

Quais são os perigos microbiológicos mais comuns no envase de uma cerveja? E como a cervejaria deve agir para que eles não ocorram?
As linhas de envase são os maiores perigos nesta etapa. Mesmo que se tenha uma boa desinfecção de garrafas e latas, a linha, por onde outra cerveja anteriormente já passou, torna-se uma das maiores vilãs na contaminação microbiológica da cerveja. Deve-se fazer limpeza e sanitização adequadas destes equipamentos, usando os produtos químicos adequados (muitas vezes são utilizados produtos inócuos, que não têm ação em biofilmes, por exemplo). Os barris de aço inox também podem ser um problema, pois sua limpeza e desinfecção inadequadas ajudam na proliferação de biofilmes, onde colônias de microrganismos deteriorantes se fixam a restos de cerveja, proteínas, açúcares e água, tornando a remoção difícil.

O que a pandemia do coronavírus pode trazer de mudança para a microbiologia cervejeira? Existe alguma alteração com relação a padrões de segurança e higiene, modo como se cultiva as bactérias, etc? Quais e por quê?
No início da pandemia, vimos uma produção bastante retraída nas cervejarias. Com o passar dos meses o consumidor vem retornando aos poucos, mas com uma mudança importante de hábito: a compra de cervejas em growlers, que aumentou consideravelmente e obrigou as cervejarias a voltarem a ter um ritmo mais acelerado de produção. Infelizmente isso também pode trazer um certo “relaxamento” nas medidas de limpeza e sanitização adequadas. Temos analisado muitas cervejas no laboratório que, antes da pandemia, não tinham qualquer sinal de contaminação e que, durante esse período (muito por conta da produção mais acelerada de algumas cervejarias para tentar suprir essa nova demanda), têm tido resultados positivos para contaminações por bactérias do ambiente cervejeiro. Isso é bastante preocupante.

Qual é o estado dessa ciência no Brasil hoje? Existe verba para pesquisas? E como investir nessa seara pode beneficiar o mercado cervejeiro?
O estudo da microbiologia nunca teve muito incentivo público, muito menos quando se fala em controle de contaminação na indústria cervejeira. As ações que hoje ocorrem são 100% fruto da conscientização de (alguns) donos de cervejarias que começaram a entender que o controle microbiológico é tão importante quanto se usar um bom malte, um lúpulo de qualidade e ter os equipamentos mais caros do mercado.

Alguns se antecipam e fazem os controles em laboratórios próprios ou terceirizados. Outros, perdem levas enormes de cerveja por contaminação e se deparam com a realidade de que investir na prevenção é muito melhor (e mais barato) do que amargar prejuízos por contaminação. Espero que este tema seja muito debatido dentro das cervejarias brasileiras e que o controle de contaminação esteja incluído em todas as fábricas que realmente queiram ter qualidade em seus produtos. Controle de contaminação é investimento, nunca um gasto. Quando os empreendedores se conscientizarem disso, a qualidade da cerveja brasileira dará um grande salto evolutivo.

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