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Entrevista: ‘Todas nós mulheres temos casos de assédio para contar no meio cervejeiro’

Na avaliação da CEO do Science of Beer, comentários tratados como piadas empoderam agressões e a violência sexual contra as mulheres

A divulgação de mensagens de um grupo privado de WhatsApp composto por pessoas relevantes do setor de cervejas artesanais trouxe luz para um dos principais problemas da sociedade brasileira – e do segmento: o preconceito, exposto por comentários de teor racista, além de ataques a mulheres, com ofensas a profissionais, colegas e concorrentes.

Em entrevista ao Guia, Amanda Reitenbach, CEO do Science of Beer Institute, destaca que a grave polêmica demanda uma revisão de posturas, com a adoção de um código de ética por empresas e entidades.

Amanda ressalta não ser possível separar as opiniões das pessoas – no caso dos comentários preconceituosos revelados nos últimos dias – da atuação empresarial. Até por isso, aprova as mudanças no comando da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), com a renúncia do presidente Carlo Lapolli, que teve mensagens de teor preconceituoso vazadas nos últimos dias, e de toda a sua diretoria. E espera que a próxima gestão da entidade seja mais inclusiva.

Leia também – Lapolli renuncia à presidência da Abracerva após vazamento de mensagens preconceituosas

Ela também faz uma cobrança para que as pessoas ouçam mais as dores e dificuldades de mulheres e negros, deixando de lado o uso de termos como “mimimi” ou a defesa de uma suposta meritocracia em uma sociedade e setor onde o acesso às oportunidades está longe de ser igualitário. E alerta que comentários tratados como piadas empoderam agressões e a violência sexual contra as mulheres. “Todas nós mulheres temos casos de assédio, virtual ou físico, para contar no meio cervejeiro”, afirma.

Fundadora de uma escola cervejeira, Amanda também defende a educação como principal alternativa para mudanças de postura. É nesse cenário que está inserido o Beer Summit, que inclui congresso, concurso e festival internacional, sendo idealizado e organizado apenas por mulheres. O evento é uma iniciativa do Science of Beer Institute, está agendado para dezembro e vai tratar sobre todas essas temáticas.

Confira estas e outras opiniões e reflexões de Amanda Reitenbach na entrevista ao Guia.

Como você avalia os recentes casos de preconceito revelados no setor?
É muito triste a gente se deparar com essas expressões. A gente sabe que o mercado é um recorte da sociedade, e que a sociedade é racista, machista e misógina. A gente precisa compreender isso para entender que é preciso mudança, estudar, nos educar. Quando isso chega até a gente e toca pessoas que estão ao nosso lado, dói muito mais. Conhecemos as pessoas envolvidas, sabemos a dor que as pessoas estão passando, e isso se torna a nossa dor.

Os casos de preconceito envolvem figuras relevantes do segmento cervejeiro. Qual é o significado disso e quais desafios isso traz para a mudança de postura que o setor necessita?
A gente sabe que tudo o que aconteceu veio em um grupo de 200 homens. Esse número dentro do setor cervejeiro artesanal significa bastante. Hoje aparecem outros prints de pessoas de destaque, empresários, cervejeiros, donos de estabelecimentos. É muito importante notar que hoje não se separa mais a pessoa física da pessoa jurídica. O que a pessoa faz, representa as suas marcas. As marcas precisam ter uma atenção muito especial. Todos os acontecimentos chamam a atenção para que cervejarias, bares e escolas criem manuais de conduta e ética, assumam suas posturas e tenham previsões de punições para os que errarem. Tudo isso afeta muito o setor. As pessoas à frente das marcas são espelhos, que influenciam outras. Toda pessoa é uma influenciadora. A história de um cervejeiro, de como ele montou a sua cervejaria, é inspiração para outras pessoas.

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Quais lições essa exposição de comentários pode deixar?
Quando a gente se depara com essas exposições, isso afeta a forma como você vê essas pessoas. Não estamos aqui para ser a inquisição. Eu acredito realmente na regeneração do ser humano, não sou a favor da política de cancelamento, mas quero que todas essas pessoas reflitam sobre suas atitudes. Tente escutar o lado das pessoas que foram ofendidas, as dores dessas pessoas. A gente lê e viu nos prints se falando de mimimi de pessoas negras e mulheres, e o velho discurso da meritocracia. Mas estão usando recortes que são exceção. Falta a essas pessoas escutarem mais mulheres e negros, lerem mais, saírem das suas bolhas. É preciso aprender a ser mais plural, escutar mais, dar mais acesso e entender as dores que não são as suas. Ou não estamos falando da pluralidade. E isso limita muito. Acho que não é o momento de polarizações, mas de diálogo. Utilizar os ocorridos para trazer reflexão e educação. Não é o momento de raiva e punitivismo.

Quais medidas efetivas devem ser adotadas de imediato como resposta a esses casos?
Trabalho com educação e ela é o caminho da transformação. Temos trazido esses assuntos no Science of Beer. Não é à toa que incluímos uma aula de antirracismo nos nossos cursos e que tenhamos um manual de conduta e ética, que falamos das bandeiras feministas. Educação é a resposta e o caminho. Antes de criticar, assista o webinar, as aulas gratuitas, escutem e reflitam sobre isso. Acredito na regeneração do ser humano e convido as pessoas a refletirem. Que elas não se fechem em seu ódio ou em sua vingança, estejam abertas a escutar, aprender e a dialogar. Só assim haverá uma mudança.

Leia também – Dossiê: A cerveja brasileira é democrática ou reflete as desigualdades estruturais do país?

Para além do setor cervejeiro, o que esses casos de preconceito significam dentro de um contexto maior, da sociedade?
Estamos em um momento da sociedade em que a mudança é urgente. A gente não pode normalizar atitudes como essas, achar que é piada, ou coisas de 5ª serie. Tudo está interligado: o Brasil é um país recordista em feminicídios, com mulheres sendo agredidas e violentadas sexualmente a cada minuto. E piadas e frases machistas, como a gente viu, empoderam todas essas atitudes. Quem ri disso, se omite, está corroborando com essas atitudes.

Como dito anteriormente, esses casos de preconceitos, expostos agora, se deram em um grupo de homens. Que aprendizado deveria se tirar disso?
Queria deixar um convite aos homens. Que pensem nisso, que pensem em seus grupos, os lugares onde estão inseridos. Toda vez que alguém apresenta um nude, apresenta uma fala machista e misógina, reflita. Isso pode empoderar o assédio, que acontece muito nos eventos cervejeiros. Todas nós mulheres temos casos de assédio, virtual ou físico, para contar no meio cervejeiro. Homens, reflitam, façam a mudança e nos escutem. Saiam do clichê de mimimi. Escutem o que é necessário mudar. E comecem com os seus pares, seus amigos, seus grupos, questionando esses comportamentos. A gente não aguenta mais ser agredida, ser vaiada, ter habilidades técnicas questionadas. Vamos refletir para trazer a mudança que é urgente.

Como você avalia todas as mudanças anunciadas na noite de quarta, com a renúncia do presidente da Abracerva e sua diretoria? E como espera que vá emergir e deva ser a “nova” Abracerva?
Foi uma decisão necessária para renovação. Não podíamos aceitar uma chapa onde quase todos os membros faziam parte do grupo e corroboravam para as trocas que haviam ali. Precisamos de pessoas comprometidas com a ética e a boa conduta e, por isso, é necessária a renovação. Espero uma chapa mais plural, que tenha compromisso com a inclusão e democratização do mercado. E que todos os acontecidos sirvam para mostrar que não vamos mais normalizar comportamentos como os que vimos.

Como se insere o Beer Summit, evento organizado só por mulheres e idealizado pelo Science of Beeer, em um contexto de exposição de casos de preconceito dentro do setor? Como isso afeta os debates e discussões que o evento espera realizar em dezembro?
O Beer Summit nasceu como uma marca da nova era, agregadora e coletivista. Esses são os nossos pilares, querendo trazer a pluralidade no time de palestrantes e participantes. É um congresso técnico e científico, mas também vamos falar de racismo, de feminismo, dos preconceitos que estão sendo escrachados, com pessoas que passam por essa situação e têm muito a falar, para ensinar a todos nós. A gente não vai se omitir e vai causar muita reflexão. E que isso contribua para a mudança e evolução do setor cervejeiro.

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