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Centenário Paulo Freire: A emancipação pela educação e a homenagem em cerveja

No centenário do seu nascimento, Paulo Freire possui mais de 30 títulos de doutor Honoris Causa e agora é homenageado em cerveja

Educar para que a pessoa se reconheça como sujeito atuante e participativo na sua história e na sociedade. É tendo como base a visão de que o processo de alfabetização vai muito além de se juntar sílabas para se formar palavras, passando, necessariamente, pelo aprendizado da leitura do seu mundo, que Paulo Freire se tornou um dos nomes mais importantes e influentes na pedagogia, seja no Brasil ou em outros países. Não à toa, tem recebido uma série de homenagens em 2021, ano em que é celebrado o centenário do nascimento daquele que ficou conhecido como Patrono da Educação Brasileira.

Como o pensamento de Paulo Freire e seu método extrapolaram o campo da pedagogia, naturalmente as homenagens vão muito além desses universos neste aniversário de 100 anos, que se completaram em 19 de setembro. E uma delas veio do setor cervejeiro. A Dutra Beer, com atuação importante no ABC paulista, o que inclui a oferta de cursos sobre artesanais para disseminação do conhecimento, decidiu estampar o educador em suas garrafas e latas.

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Em maio, a cervejaria lançou uma Honey Ale que leva o nome de Paulo Freire. Para André Dutra, fundador da Dutra Beer, trata-se de uma lembrança natural. Afinal, em consonância com o pensamento do agora centenário homenageado, a educação deve ser oportunidade para emancipação e troca de valores e saberes. Algo que, garante, combina com a sua ideia de usar a cerveja artesanal como divulgadora do saber.

“A nossa ideia é que a cerveja, através dos rótulos, seja também uma ferramenta condutora de conhecimento, emancipação e troca de saberes, assim como indicava Paulo Freire. Ter seu nome e seu trabalho semeado em toda essa diversidade cultural é nosso propósito”, destaca André.

A troca de conhecimento através da educação e o seu uso para a emancipação, citados pelo fundador da Dutra Beer, estão no cerne do pensamento de Paulo Freire. E fazem parte de uma proposta, ao mesmo tempo, humanista e humanizadora, dialogando com a igualdade, a justiça social e a liberdade.

É o que se vê no reconhecido método alfabetizador de Paulo Freire. O educador entendia que o processo deveria estar inserido na realidade de cada pessoa. Assim, partia do conhecimento prévio, com as palavras já conhecidas e utilizadas rotineiramente, para que as pessoas aprendessem a ler e a escrever.

Foi desse modo, por exemplo, em Angicos (RN), em 1963, que ele levou 45 dias para alfabetizar cerca de 300 adultos. A ideia deu tão certo, à época, que o então presidente João Goulart pretendia expandir a experiência através do Plano Nacional de Alfabetização, algo que foi freado pelo golpe militar de 1964.

“A metodologia de Paulo Freire consiste em uma maneira de educar conectada ao universo cotidiano dos estudantes. Por meio das narrativas e experiências de vida dos sujeitos componentes desse processo educacional, instaura-se um diálogo, entre professores e alunos, que conduz à autopercepção do papel de transformação social que devemos assumir como seres integrantes da vida em sociedade”, explica Adriana do Carmo Figueiredo, doutora em Estudos Linguísticos pelo PosLin/UFMG e docente de Direitos Humanos, Literatura e Linguagens.

Esse método de ensino, na visão de Adriana, enxergava na educação uma possibilidade de transformação social, levando o cidadão a reconhecer e a reivindicar os seus direitos, não ficando apenas passivo diante do conhecimento oferecido por um professor. Criava, assim, um diálogo a partir dele ao aprender a “ler” o mundo, em um pensamento e ação essencialmente políticos.      

“Essa perspectiva dialogada contribui também para o processo de autonomia do sujeito aprendiz, transformando-o em uma pessoa ativa e produtora do conhecimento. Por esse motivo, a participação política na vida social e a responsabilidade cidadã se tornam elementos essenciais nessa metodologia educacional. Essas abordagens do método desenvolvido por Paulo Freire contribuem também para as percepções das contradições existentes entre opressores e oprimidos”, acrescenta Adriana.

Professora de inglês, Alexandra Volker Figueiredo destaca um aspecto nem sempre notado na pedagogia de Paulo Freire: a do docente, que, além de compartilhar conhecimento, também tem a oportunidade de aprender no contato com os alunos através do diálogo, com uma horizontalidade que ainda nem sempre é comum nas escolas brasileiras para a construção do conhecimento.

“Na educação, Paulo nos dimensiona e orienta. Aprendemos a sair do tablado e trocar experiências com nossos alunos e fazer desse momento algo impaciente e transformador, libertador de verdade”, avalia a moradora do complexo da Penha, no subúrbio do Rio de Janeiro.

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Assim, a importância da metodologia disseminada por Paulo Freire vai além da alfabetização ao permitir a autopercepção do aprendiz, que ganha a condição de refletir sobre o mundo social, suas palavras e enunciados, pois o seu aprendizado se dá a partir do diálogo com a realidade, relacionando método de ensino e conscientização. Ou seja, ela oferece condições ao aluno de se tornar autônomo.  

Isso acontece porque o método desenvolvido por Paulo Freire não se baseia em repetir palavras e não se restringe a desenvolver o pensamento em conformidade com as exigências lógicas do discurso abstrato. Trata-se de uma travessia permanente, em que as pessoas humanas buscam compreender a plenitude de sua existência, ressignificando os seus papéis sociais como agentes de transformação.

Adriana do Carmo Figueiredo, doutora em Estudos Linguísticos pela UFMG

A pedagogia de Paulo Freire é, assim, transformadora ao não seguir uma lógica dominadora, permitindo que o rumo do aprendizado seja dado pelo próprio aluno. “O seu pensamento se insere em uma pedagogia em que o esforço totalizador da ‘práxis’ humana busca alcançar uma ‘prática da liberdade’ no interior dos próprios processos de conhecimento e aprendizado. Pertencemos a uma sociedade cuja dinâmica estrutural ainda nos conduz à dominação de consciências. Em outras palavras, a pedagogia dominante ainda se mostra como a pedagogia das classes dominantes”, acrescenta a doutora em Estudos Linguísticos.

A aplicação do método de ensino de Paulo Freire é, também, uma prática que ajuda a “libertar” as pessoas ao permitir, ao mesmo tempo, a formação de uma consciência política. “Os pensamentos de Paulo Freire nos ajudam a compreender e a transcender o nosso próprio projeto enquanto sociedade, ainda marcada e governada pelos interesses de grupos, classes e nações dominantes. Sem dúvida, seus pensamentos contribuem para a construção de um projeto educacional como prática da liberdade, em que o sujeito aprendiz se autoconfigura como uma pessoa imbuída de reponsabilidade e autorreflexão”, conclui Adriana.

O reconhecimento
Nascido no Recife em 19 de setembro de 1921, Paulo Freire faleceu com 75 anos, em 1997. Ele se formou em Direito, mas não chegou a exercer a profissão, alterando o seu campo de atuação para a pedagogia e a filosofia.

Por seus trabalhos, recebeu de mais de 30 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades estrangeiras. Um dos muitos sinais de uma trajetória interrompida no Brasil por um golpe militar que o forçou a se exilar do país até 1980.

Passou, então, por países sul-americanos, como Chile e Bolívia, além de universidades de prestígio, como Harvard e Cambridge. Foi nesse período, inclusive, em que escreveu a sua mais conhecida obra, A Pedagogia do Oprimido, sendo apontado como o terceiro livro mais citado em trabalhos sobre ciências sociais no mundo.

Em sua volta ao país, ainda foi secretário municipal de educação de 1989 a 1991, na gestão de Luiza Erundina à frente da Prefeitura de São Paulo.

A cerveja de Paulo Freire
Lançada em maio, a Paulo Freire é uma Honey Ale da Dutra Beer. A cerveja leva em sua composição o Mel Terra Livre, orgânico e agroecológico produzido pela Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da região de Porto Alegre. O rótulo tem 5,5% de teor alcoólico e 15 IBUs, possuindo final seco e um agradável aroma de mel, de acordo com o descritivo divulgado pela marca.

Ao homenagear Paulo Freire, André Dutra destaca a busca por tornar o cidadão livre através da educação que permite a transformação do seu mundo como fonte inspiradora. “Suas concepções e seu pensamento crítico com relação à libertação e autonomia sempre nos motivam na busca por uma sociedade mais instruída e, consequentemente, livre”, comenta o fundador da cervejaria do ABC Paulista.


Em São Paulo, uma exposição no Itaú Cultural, a Ocupação Paulo Freire, aborda a sua trajetória. Também na capital paulista, ele é homenageado em um mural na lateral de um prédio na avenida Pacaembu, onde há uma imagem sua e uma frase: “Esperançar: Amar é um ato de coragem”.

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