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8 de março: Existe cerveja para mulher?

Cada um tem suas preferências, mas existe uma construção social para encaixar as pessoas em seus lugares, escreve Natália Noronha

* Por Natália Noronha

Imagine a seguinte situação:

A mulher entra em um bar ou em uma loja especializada em cerveja. Ela não conhece nada sobre cervejas especiais, então pede uma indicação. O atendente a indica uma Fruit Beer, que é frutada e levemente adocicada. O rótulo é cor-de-rosa. Em seguida, diz: “Com certeza você vai gostar. As mulheres gostam muito.

A mesma cena, mas com uma pessoa do gênero masculino, não seria considerada um disparate (“Beba esta, os homens gostam muito”)?

Será que não existem outros estilos de cerveja para a mulher?

Um homem vivenciando a mesma situação logo se sentiria enfurecido ao perceber que, dentre tantos estilos catalogados nos guias cervejeiros, para ele, só existe um. Pensaria: “Como assim? Mas a pessoa nem perguntou o que eu gosto…”

Leia também – “Recebi muitos ‘nãos’ por ser mulher”, diz cervejeira da Goose Island

A resposta para o título é: o paladar não pode ser definido pelo gênero da pessoa.

Todos nós temos preferências gastronômicas, e isso depende da sua biblioteca olfativa e gustativa, que é desenvolvida desde criança. Está ligada com as suas memórias e experiências. Por isso, algumas pessoas tendem a gostar mais ou menos de alimentos doces, amargos, ácidos ou salgados (a acidez e o amargor não são comuns no dia-a-dia da maioria das pessoas). Ah, e essa biblioteca está em constante mudança.

Fato é: cada um tem suas preferências, mas existe também uma construção social que quer encaixar as pessoas em seus respectivos lugares, pré-definidos.

Para as mulheres, especialmente, têm sido difícil se desvencilhar dessas amarrações históricas e sociais.

Acontece que temos registros evidentes de que as mulheres sempre estiveram envolvidas com a produção da cerveja. O primeiro registro de produção, por exemplo, é o Hino a Ninkasi, dedicado a uma deusa cervejeira em 1800 a.C. Na Idade Média, as Ales Wives eram mulheres que dominavam a produção e, inclusive, a comercialização de cerveja, tendo assim independência financeira (muitas delas eram consideradas bruxas e foram perseguidas!).

Já na Idade Moderna, enquanto o papel do homem era o de trabalhar fora, o lugar da mulher era dentro de casa, em ambientes internos e controlados, cuidando estritamente da família e do lar.

Mulheres em bares? “O que ela está fazendo aqui sozinha? E bêbada ainda por cima?”. Quem nunca ouviu essa frase, que atire a primeira pedra.

Para se ter uma ideia, as campanhas publicitárias diziam que cervejas escuras e adocicadas faziam bem para as mamães e os bebês.

Publicidade

Quando já não era permitido fazer propaganda de cerveja para mulher grávida ou amamentando, a publicidade volta-se para o homem, mostrando a ideia de liberdade e prazer. Mas, pasmem, ainda existiam propagandas voltadas às mulheres: elas diziam que uma boa esposa deveria comprar cerveja para o seu marido.

Passado algum tempo, para conseguir uma maior abrangência de público, temos de volta as campanhas destinadas ao público feminino: a cerveja para a mulher teria de ser um produto mais leve, com menor graduação alcoólica, muitas vezes com frutas e sabor adocicado.

É por isso também que a mulher que bebe ou frequenta lugares onde se vende bebida alcoólica é vista como “devassa”, como alguém que não merece respeito (e muitas vezes é tratada como tal).

As mulheres são sexualizadas nos rótulos e nas propagandas, como se o corpo feminino fosse parte da mercadoria, para agradar os prazeres e caprichos masculinos. Tudo isso suscita e propicia a ideia de comportamentos abusivos e intoleráveis.

Hoje em dia, felizmente, muitas mudanças históricas e sociais estão em curso. Isso ao custo de muita determinação, paciência e força de tantas mulheres competentes que se envolvem com o universo cervejeiro, seja no início ou na ponta da cadeia, desde a produção dentro da fábrica, no setor comercial, no atendimento ao público, na sommelieria, na consultoria e na área da educação cervejeira, entre outros segmentos do setor.

Os desafios são diários e ainda poderíamos ter mais mulheres nestes espaços – até mesmo no consumo. Uma pesquisa do IBGE mostrou que as mulheres consomem 3 vezes menos cerveja que os homens.

A verdade é que quando as mulheres avançam, toda a sociedade avança. O mundo cervejeiro só será mais feminino quando for produzido, distribuído e consumido por mais mulheres, com mais visibilidade e valorização.

Existe uma diversidade de estilos de cerveja, com todos seus aromas, sabores, sensações e histórias.

Mulheres, todas as cervejas são suas! As mulheres podem beber o que quiserem. Onde quiserem e como quiserem.

Mesmo sendo mãe, sendo casada, sendo solteira, sendo mãe solteira, sendo negra, branca, hétero ou homossexual, sendo LGBTQIA+, independentemente da sua sexualidade ou identidade de gênero.

O espaço da cerveja tem que ser de todas e todos. E tem que ser seguro.

É difícil de acreditar que isso seja necessário em pleno século XXI, mas aqui vai uma dica: alguns bares oferecem instruções (que ficam no banheiro feminino) para situações de abuso. São senhas que, ditas a (o) atendente, acionam uma situação de resgate e chamam um Uber para quem estiver em situações de perigo. Fiquem atentas. Afinal de contas, o que as mulheres querem? Igualdade.


*Natália Noronha é beer sommelière com formação pela Universidade Positivo e consultora de campo da rede de lojas Mestre-Cervejeiro.com, atuando no setor desde 2013 em diversos segmentos. É também estudante de Tecnologia em Agroecologia pela Universidade Federal do Paraná (UTFPR)

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