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Entrevista: “Como somos testadas o tempo todo, fica difícil escolher se expor”

Bianca Telini foi única brasileira classificada para participar do Mundial de Sommelier de Cervejas

A última edição do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas expôs uma discrepância que é tão comum quanto cruel dentro do setor de artesanais e em outras esferas da sociedade. Afinal, entre os 10 primeiros colocados, que se classificaram para o Mundial, apenas um era mulher, a gaúcha Bianca Telini.

Classificada para a prestigiosa competição, organizada pela Doemens Academy, Bianca Telini está na fase final da sua campanha de financiamento para a viagem a Munique, na Alemanha, onde a competição será realizada em setembro, nos dias 10 e 11.  

Lá, Bianca Telini espera compor a equipe brasileira para buscar um feito inédito, a conquista do título de melhor sommelier de cervejas do mundo para o País, resultado que só foi alcançado, até agora, por representantes da Alemanha e da Itália. A última vencedora, aliás, foi uma mulher, a alemã Elisa Raus.

Seguindo os passos da vencedora e dando os seus, Bianca Telini espera que a participação no Mundial de Sommelier motive outras mulheres na busca por mais espaço no setor e nas competições cervejeiras. “Acho importante eu estar lá para trazer diversidade para o meio e mostrar às outras mulheres que é possível, que podemos fazer as provas, nos expor e alcançar os resultados”, diz.

Bianca Telini foi a convidada da 14ª episódio do Guia Talks, programa de entrevistas no YouTube do Guia, também tendo falado da sua experiência profissional. Afinal, antes de atuar com sommelieria, ela já era CEO de uma consultoria para a indústria cervejeira, a Clado, além de ser a responsável pelo controle de qualidade microbiológica da Cervejaria Tupiniquim.  

E os desafios dessas tarefas também foram abordadas na conversa do Guia com Bianca Telini, formada em biotecnologia e com mestrado em biologia celular e molecular pela UFRGS.

Leia também – Guilherme Rossi vence 6º Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cerveja

Confira os principais trechos do Guia Talks com Bianca Telinii:  

Como foi participar do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas e ficar entre os dez primeiros colocados?
Foi uma experiência incrível. Como o campeonato é bianual e o último havia sido em 2019 por causa da pandemia, esse foi o primeiro que participei, porque só me tornei sommelier em 2020. E a minha ideia neste ano era conhecer as provas, me preparando para o campeonato de 2024. Então, eu não fui com muita expectativa. Fiz a prova, achei ela bem interessante, bem extensa, foram 70 questões abordando diversos assuntos, não só da parte de sommelieria, mas também de produção, de controle de qualidade, de insumos. E acabei passando entre os 45 para a segunda fase. E aí estudei bastante, com outros colegas de Porto Alegre que também se classificaram. Cheguei na prova com aquela expectativa baixa de conhecer e ver como funciona. E dos 45 classificados, éramos apenas quatro mulheres. Então, o nosso pacto foi de que alguma de nós tinha que ir para a Alemanha. Como o anúncio dos classificados foi por ordem alfabética, o meu nome foi o primeiro a ser chamado. Foi muito emocionante.

Agora, você está atrás de recursos para ir ao Mundial de Sommelier de Cervejas. Como são as campanhas para arrecadação de recursos?
São três campanhas diferentes para três públicos diferentes. Tenho a campanha principal, que é no Apoia-se, onde ofereço recompensas de acordo com os apoios, como produção de cerveja para a campanha, copos exclusivos, o livro Levedura, que traduzi para a Krater, e treinamentos. Tem, também, a vaquinha, que não necessariamente é para as pessoas que querem receber algo de volta. E a terceira opção é um plano de patrocínios para empresas, com produção de conteúdo específico.

Em sua visão, o que torna sua ida ao Mundial importante para as mulheres do setor?

O último campeonato foi vencido por uma mulher alemã. E os vencedores foram sempre alemães ou italianos. O Brasil nunca venceu, embora o Rodrigo Sawamura tenha ficado em terceiro lugar em 2017, o que foi excepcional. Em todos os campeonatos vão pouquíssimas mulheres. Acho importante que eu esteja lá para trazer diversidade ao meio e mostrar às outras mulheres que é possível, que podemos fazer as provas, nos expor e alcançar os resultados.

Bianca Tellini, sommelière de cervejas e CEO da Clado

O resultado do campeonato expõe uma clara disparidade de representatividade, pela baixa presença feminina entre os classificados ao Mundial. Em sua visão quais motivos provocam isso?
Depois que me classifiquei, conversei bastante com várias conhecidas minhas que trabalham na área há muito tempo. E o que concluímos foi que, como somos testadas o tempo inteiro e somos questionadas dentro do nosso meio, fica um pouco difícil escolher se expor voluntariamente a esse tipo de situação. Porque, querendo ou não, é dar a cara a tapa em um meio masculino e machista. Então, é menos desconfortável fazer o que precisamos e não nos expormos mais uma vez. E, inclusive, foi um pacto que fizemos depois do campeonato. Conversamos com várias mulheres e no próximo temos de ser pelo menos metade desses 45 classificados para a segunda fase.

Você tem pouco tempo de atuação como sommelière. Como participar do Mundial na Alemanha pode ajudá-la profissionalmente?
É um salto muito grande, porque desde o começo da minha trajetória cervejeira, sempre trabalhei com produção, controle de qualidade e fermentação. Então, não faz muito tempo que comecei a me expor para o mundo da sommelieria, porque ficava sempre nos bastidores, no laboratório. A partir do momento que comecei a me expor e a lidar com o público e os consumidores, fazendo essa ponte que a sommelieria é capaz de fazer, eu me encantei muito, vi que é muito importante, inclusive para trazer mais consumidores para tomar cerveja. Então, seria um salto na minha carreira. Eu faço um evento ou outro, mas acabo ficando confortável no controle de qualidade e da fermentação.

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Nesse momento, quais são as principais demandas do sommelier de cervejas?
Eu acho que falta muito a comunicação direta, com bares e cervejarias entendendo a importância de ter esse tipo de profissional dentro da empresa. Até como consumidora, percebo, indo em bares, cervejarias e pubs, como amigos meus que não são da área têm um afastamento grande para se sentirem confortáveis em olhar um cardápio cheio de cervejas e conseguir de fato pedir alguma coisa que gostem. Além do treinamento de brigada e da equipe do bar, um trabalho fundamental é o de facilitar a venda. Queremos que mais consumidores tomem cerveja. Então, acho que falta um pouquinho desse reconhecimento dos próprios empregadores em entenderem que contratar esse tipo de serviço vai gerar, provavelmente, mais vendas diretas para o setor.

Antes de atuar como sommelière, você já tinha uma consultoria para cervejarias, a Clado, e atuava no controle de qualidade da Tupiniquim. Como foi sua trajetória dentro do setor?
A ideia de ter a Clado começou em 2016. Quando entrei no setor, em 2015, foi para fazer tudo, menos controle de qualidade porque naquele momento quase não existia laboratório. E conforme fui mudando de cervejaria e conhecendo outras, percebi que o grande tabu era a parte de fermentação e controle de qualidade, de conseguir repetir a mesma cerveja várias vezes. Em 2017, decidi voltar para o meio acadêmico para desenvolver alguma coisa para cervejarias. Na UFRGS, durante o mestrado, desenvolvi leveduras híbridas para o meio cervejeiro. Só que nesse momento eu vi também que precisava estar na indústria. O meu negócio era conseguir fazer essa ponte, trazendo o conhecimento da academia para aplicar na indústria. No meio do mestrado, o pessoal da Tupiniquim me chamou para montar o controle de qualidade deles. E eles não tinham nada, só uma sala vazia. Eu comecei do zero. Então, foi muito legal, uma experiência fantástica, porque pude fazer as coisas do jeito que achava certo a partir do conhecimento da academia. Peguei o que tinha de mais novo de controle de qualidade e fui adaptando para uma microcervejaria. Foi aí que percebi que, às vezes, o pessoal acha que o controle de qualidade e sua implementação são caros, envolvem um laboratório muito grande. E, na verdade, você consegue adaptar muitas coisas para que o laboratório custe só o necessário. E as poucas coisas que a gente implementa logo de começo, já vão fazer uma grande diferença, porque controle de qualidade, na verdade, é controle de processos. Então, a partir disso, eu e meu sócio decidimos fazer isso para mais cervejarias. E nosso objetivo na Clado é desmistificar esse conceito de que o controle de qualidade é muito caro e muito difícil.

Como o seu trabalho de sommelier dialoga com a sua atuação no controle de qualidade de uma cervejaria?
Durante o trabalho na Tupiniquim, muito do controle de qualidade também é uma área sensorial. E aos poucos percebemos que, por exemplo, os operadores de adega e o pessoal do envase precisam entender minimamente do que estão fazendo, do sensorial. Então, às vezes, a pessoa da adega experimenta a cerveja e acha estranha, porque ela já sabe como deveria ser, isso já é comunicado antes e não chega no consumidor. Então isso é um trabalho de sommelieria também, de educação não só do consumidor, mas dos colaboradores. E aí a gente começou aos poucos a fazer análises sensoriais semanais e viu que isso também era um trabalho legal de sommelieria. É o que a gente também aplica em outras cervejarias.

Qual é o problema que você mais costuma encontrar envolvendo controle de qualidade nas cervejarias?

Eu acho que o problema de controle de qualidade em uma cervejaria está na falta de medição e na falta de localização dos problemas. Uma das técnicas que aplicamos é a análise de pontos críticos de controle. Com ela, você consegue visualizar e se torna muito mais fácil resolver problemas e, principalmente, evitar problemas.

Bianca Tellini, sommelière de cervejas e CEO da Clado

Desde que você começou a trabalhar com controle de qualidade, o setor evoluiu nesse aspecto?
Eu vi isso evoluir muito, quase que exponencialmente. Isso tem relação grande com a exigência do consumidor e a quantidade de cervejarias. Desde 2015, devemos ter triplicado o número de cervejarias.  Se você vai numa cervejaria e você toma uma cerveja e depois você volta e ele está totalmente diferente, talvez você não dê mais uma chance, porque na esquina tem outra. Então, a exigência do consumidor, que está entendendo um pouquinho mais de artesanal, e a grande oferta são pontos importantes. Mas ainda tem muito para chegar em uma padronização minimamente interessante. Um ponto que sempre fico triste com relação a isso é quando alguns donos de cervejaria comparam preços de serviço com a possibilidade de comprar um tanque.  Talvez, contratando um serviço, você pode gerar uma economia que, lá na frente, te permitiria comprar o tanque.

Quais são as suas principais dicas envolvendo controle de qualidade?
Sempre indicamos começar do mais básico. A partir do momento que você começa a medir as coisas, começa a ver o problema. Enquanto você não mede, você não controla. A nossa dica é começar um controle básico, analisando a água, usando algumas análises dos insumos, controlando principalmente a parte de fermentação, que provoca uma diferença muito grande. O investimento é baixo. O reaproveitamento de levedura também é uma coisa que economiza muito dinheiro. É um dos insumos mais caros e é relativamente simples de ser feito. Então, você consegue reduzir drasticamente seus custos e chegar mais perto de uma padronização.

2 Comentários

  • Yuri Holbrich Reply

    19 de agosto de 2022 at 15:18

    Não podemos esquecer da Tatiana Spogis. Mulher, brasileira e 3ª colocada no Campeonato Mundial de 2015!

    Parabéns Bianca!

  • Ronaldo Ferreira Reply

    19 de agosto de 2022 at 15:35

    Esqueceram de mencionar que em 2013 a Tatiana Spogis foi 3a colocada nesta mesma competição. Boa sorte para a Bianca que teve competência para se classificar.

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