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MP recomenda anulação de licenças de fábrica do Grupo Heineken em Minas Gerais

Fábrica do Grupo Heineken está prevista para ficar a 800 metros do Monumento Natural Estadual Lapa Vermelha

O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) recomendou a anulação das licenças concedidas para a instalação de uma fábrica do Grupo Heineken em Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, nas proximidades do sítio arqueológico Lapa Vermelha, onde foi localizada Luzia, o fóssil mais antigo das Américas.

A recomendação foi apresentada após a promotoria analisar a documentação do processo de licenciamento ambiental que liberou a construção da unidade industrial. E essa averiguação do MP indicou que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG) não cumpriu a legislação ao dar o aval para a obra.

Essa recomendação do MP-MG foi destinada a Rodrigo Ribas, superintendente de Projetos Prioritários da Semad-MG, que havia concedido as licenças prévias e de instalação da fábrica da Heineken.

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O MP-MG sugere que novas autorizações não sejam concedidas sem que seja atestada a viabilidade ambiental do empreendimento, além de “sanadas todas as ilegalidades apontadas”. O documento da promotoria, datado de 27 de outubro, dá 10 dias para que a superintendência vinculada à Semad/MG se pronuncie a respeito da recomendação.

Além disso, ressalta que a resposta “deverá conter informações específicas e detalhadas sobre as ações adotadas e planejadas para seu cumprimento”. Caso a recomendação não seja aceita, ao fim do prazo, outras medidas podem ser tomadas, como a proposição de uma ação judicial.

A recomendação é assinada pelos promotores Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo (Caoma); Felipe Faria de Oliveira, coordenador estadual de Meio Ambiente e Mineração; Marcelo de Azevedo Maffra, coordenador estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais; Lucas Marques Trindade, coordenador regional da Promotorias de Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba; e Ester Soares de Araújo Carvalho, da Comarca de Pedro Leopoldo.

De acordo com os promotores, a fábrica da Heineken é um “empreendimento potencialmente poluidor com possibilidade de causar impactos ao patrimônio arqueológico e espeleológico, bem como ao sistema hidrológico da região” onde se pretende implementá-lo.

A região onde pode ficar situada a fábrica do Grupo Heineken em Minas Gerais conta com a APA Carste de Lagoa Santa. Lá, onde foi encontrada Luzia, também existem diversos sítios arqueológicos e cavidades naturais com potencial para novas descobertas sobre a história do homem.

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Além disso, como destacam os promotores em sua recomendação de suspensão da licença de instalação, a fábrica fica a 800 metros do Monumento Natural Estadual Lapa Vermelha, dentro dos limites da zona de amortecimento de uma unidade de conservação. E é no Lapa Vermelha IV onde foi encontrado o crânio de Luzia.

Na recomendação, os promotores do Ministério Público destacam que não houve anuência efetiva do Instituto Estadual de Florestas para intervenções na área. O documento também ressalta outras irregularidades na concessão da licença, apontando que elas foram expedidas de forma ilegal, “ofendendo” o ordenamento jurídico.

A promotoria destaca também que o documento liberatório, o Parecer Único nª 3328/2021, da Superintendência de Projetos Prioritários da Semad/MG, não conta com nenhuma menção aos sítios arqueológicos da região. Além disso, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não foi instado a se manifestar, conforme as normas da instituição.

Em nota técnica, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)/APA Carste Lagoa Santa afirma que não foram apresentados para avaliação os projetos de proteção do terreno durante as obras e nem houve avaliação da compatibilidade do empreendimento com o decreto de criação da Unidade de Conservação APA Carste, que abrigará 99% das instalações da fábrica de cerveja. Um estudo específico foi feito apenas sobre a zona de amortecimento do Parque Estadual do Sumidouro, distante 5 quilômetros do empreendimento.

Impacto hidrogeológico desconhecido
A parte mais contundente do documento apresentado pelo MP envolve os riscos ao sistema hidrogeológico da região onde a fábrica da Heineken pode ser instalada. A promotoria avalia que a liberação não poderia ter sido dada sem um entendimento claro sobre os impactos.

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No documento em que recomenda a anulação da licença, a promotoria também questiona como pode ter sido dado o aval para a instalação da fábrica se há incerteza sobre a disponibilidade de água, tanto que havia sido requerido novo processo de pesquisa hidrogeológica, considerando a presença de uma área cárstica e o volume de captação proposto para água subterrânea.

O MP critica a liberação do início das obras da fábrica da Heineken mesmo sem o estudo hidrogeológico concluído. A cervejaria não o concedeu, com a Semad aceitando a sua posterior entrega. “Caso ao final do estudo hidrogeológico se concluir pela inviabilidade do fornecimento de água demandado ou indicar o prejuízo significativo / definitivo ao abastecimento humano para as comunidades vizinhas, o que serão feitas com as instalações da fábrica implementadas?”, questiona.

“Existe por parte da HKN Brasil uma alternativa para diminuição dos volumes de produção?”, argui o documento. “Os resultados dos estudos hidrogeológicos não ficarão ‘direcionados’ ao apontamento da viabilidade do fornecimento hídrico uma vez que ficariam pressionados pelo avanço das obras de instalação?”.

Mais questionamentos
O MP também lembra que a área onde a fábrica da Heineken seria instalada é prioritária para conservação, como previsto no Plano Diretor da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Aponta, ainda, que essa área de conservação não possui plano de manejo, fundamental por ter medidas que impedem danos à unidade.

“A recomendação é um importante instrumento de que dispõe o Ministério Público para ver respeitado o ordenamento jurídico sem que haja a necessidade da judicialização de eventuais conflitos, alertando seu destinatário sobre a existência de normas vigentes e da necessidade de seu estrito cumprimento”, afirma o MP.

Outro lado
Procurada pela reportagem do Guia, a Semad-MG diz que ainda avalia a recomendação. “A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que recebeu a recomendação do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) e está avaliando para que possa se posicionar”, comenta em nota oficial.

Já o Grupo Heineken destaca não ter sido notificado sobre eventuais mudanças na licença de instalação da sua fábrica. E assegura que manterá as obras paralisadas enquanto os impasses não forem resolvidos.

“O Grupo Heineken informa que não foi notificado sobre qualquer alteração na validade da licença de instalação da sua cervejaria na cidade de Pedro Leopoldo. A cervejaria reitera seu compromisso com a transparência e afirma que, de forma voluntária, manterá as obras suspensas enquanto contribui com a discussão junto aos órgãos envolvidos”, afirma em nota enviada à reportagem.

Relembre o caso
Em dezembro de 2020, o Grupo Heineken confirmou a intenção de construir uma fábrica em Pedro Leopoldo, com o intuito de apoiar o seu crescimento no Brasil, especialmente dos rótulos premium. E, com ela, o grupo passará a contar com 16 unidades produtivas no país, sendo 13 cervejarias. A chegada da companhia a Minas Gerais foi, à época, celebrada pelo governador do estado, Romeu Zema, destacando que o investimento na unidade produtiva seria de R$ 1,8 bilhão.

Em 10 de setembro de 2021, porém, o ICMBio, após visita à área da obra, que ainda estava na fase de terraplanagem, embargou-a ao alegar ameaças ao sítio arqueológico existente na localidade. O órgão, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, apontou risco de soterramento do complexo de cavernas e grutas do Lapa Vermelha.

O instituto também disse ver com preocupação o plano do Grupo Heineken de bombear 150 metros cúbicos de água por hora de dois poços na região, o que causaria impacto relevante nos lençóis freáticos e nas cavernas do Cipó, Fedo e Nei. Na visão do ICMBio, o risco geológico impede o avanço da obra da fábrica da Heineken sem realização de estudos mais aprofundados, incluindo os dos efeitos da sua atividade nos lençóis freáticos.

No fim de setembro, a construção da fábrica do Grupo Heineken em Pedro Leopoldo se tornou alvo de inquérito civil do Ministério Público. Foi, assim, a partir das investigações sobre a concessão das licenças, eventuais impactos da obra e da operação da unidade industrial sobre possíveis impactos no patrimônio cultural, que os promotores agora recomendaram a anulação da licença concedida pela Semad/MG.

O caso, porém, ainda teve uma outra reviravolta. Na primeira semana de outubro, o Grupo Heineken conseguiu uma decisão, de caráter liminar, liberando a realização das obras para instalação da fábrica em Pedro Leopoldo. A companhia, porém, optou por não retomá-las, decisão que reforçou agora, quando o MP defendeu a anulação da licença para sua instalação em Pedro Leopoldo.

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