fbpx

Balcão do Profano Graal: História da cerveja no Brasil – questões

Lembro que naquele dia acordei cedo e peguei um táxi para não me atrasar. Era um sábado de sol no Rio e o primeiro dia do curso de sommelier. Ao chegar, recebemos nossas apostilas. O capítulo 1 era, logo de cara, A História da Cerveja. Folheando a apostila, fiquei sabendo, pela primeira vez, da descoberta da fermentação, do trabalho dos monges cervejeiros, da Lei de Pureza e de muitos outros fatos dessa história com a qual eu nunca tinha tido contato. Mas qual não foi minha decepção quando percebi que não havia uma linha sequer sobre a história da cerveja no Brasil. Para um professor de História do Brasil, não poderia haver decepção maior.

Se, por um lado, o Brasil não é um país de tradição cervejeira tal como a Alemanha ou a Bélgica, por outro, há muito tempo que a cerveja já se tornou a bebida nacional. É hoje a bebida alcóolica mais consumida no país. Geralmente, é a primeira bebida alcóolica com a qual temos contato ainda na adolescência ou, muitas vezes, até mesmo na infância! Já no começo do século XX ela havia superado, em muito, suas concorrentes como a cachaça e o vinho na preferência popular.

Porém, como afirma Edgar Köb no seu artigo Como a cerveja se tornou bebida brasileira: a história da indústria de cerveja no Brasil desde o início até 1930, apesar da grande importância econômica e sociocultural que a cerveja possui no nosso país, até aquele momento (o artigo de Köb foi publicado em 2000) ainda não havia uma pesquisa séria sobre a história da cerveja no Brasil.

Enquanto que já existe nos países europeus uma farta e ampla literatura relacionada a este tema, os trabalhos existentes sobre o Brasil e o resto da América Latina se limitam a ensaios gerais, onde a cerveja é tratada em aspecto secundário, ou históricos sobre algumas empresas de destaque. (KÖB, 2000, p. 29/30)

E foi isso o que encontrei quando, frustrado por não haver nada sobre o tema na apostila do curso de sommelier, fui procurar informações sobre a história da cerveja no Brasil em outras fontes. Sites e livros repetiam sempre as mesmas informações superficiais (e, por vezes, erradas), se copiando uns aos outros. Traçavam em linhas muito gerais uma cronologia da história da cerveja por essas plagas. Muito preocupados em responder à pergunta que não quer calar: qual foi a primeira cervejaria do Brasil? Ou dedicados a narrar a história das grandes cervejarias nacionais, porém sem colocar questões que permitissem análises históricas mais profundas.

Para além de saber quem veio primeiro, várias outras questões sobre a história da cerveja no Brasil continuam por ser feitas e, portanto, continuam sem resposta. Alguns exemplos: como os pioneiros da cerveja no Brasil conseguiam suas matérias-primas? Quais os insumos que eles usavam? Que tipos de cerveja produziam? Quanto custava uma garrafa de cerveja? Quem consumia cerveja no Brasil nos seus primórdios, antes de ela se popularizar? Quais eram os estilos preferidos desse público? A mão-de-obra utilizada nas fábricas de cerveja até 1888 era escravizada ou livre? Onde as cervejarias conseguiam seu maquinário? Como a cerveja se tornou a bebida nacional, superando suas concorrentes (pergunta essa que Köb tenta responder no seu artigo)? Como apenas duas grandes cervejarias vieram a dominar o mercado nacional e com um único estilo de cerveja? Entre outras.

As fontes do século XIX nos dão boas pistas para tentar responder ao menos algumas dessas perguntas. Nos textos sobre a história da cerveja no Brasil que publicarei nessa coluna, vou trazer as respostas que venho encontrando na minha pesquisa em jornais oitocentistas do Rio de Janeiro. Mesmo que elas ainda sejam incompletas e inconclusivas. Na verdade, creio que sempre serão porque, ao contrário do que se pensa, a escrita da história se assemelha a um quebra-cabeças ao contrário. A cada peça que se encaixa, novas lacunas aparecem. E, assim, se formos esperar esse quebra-cabeça estar completo para mostrá-lo ao público, temo que ele ficará inédito para sempre.

E, por isso, também, por mais que sejam poucas ou superficiais as informações e análises que temos até o momento sobre a história da cerveja no Brasil (e, para dizer a verdade, já não são tão poucas nem tão superficiais), acho que elas mereciam um espacinho, ainda que pequeno, na apostila dos cursos de sommelier…

Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História

0 Comentário

    Deixe um comentário

    Login

    Welcome! Login in to your account

    Remember me Lost your password?

    Lost Password