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Em rede de apoio do Science, mulheres denunciam sexismo e assédio no setor

Ação do instituto cervejeiro foi inspirada em iniciativa realizada nos Estados Unidos que coletou mais de mil denúncias

Imagine se você, uma profissional formada e experiente no setor cervejeiro, fosse chamada para trabalhar em um evento, mas sob uma condição: dividir a cama com um estranho. Ou que você seja constantemente convidada a realizar palestras, porém sempre escutando piadas que questionem os seus conhecimentos, até que um dia se torne o “brinde” de alguém. Se apenas as suposições já são indigestas, vivenciar essas situações de sexismo e assédio é muito pior.

Estes são alguns dos relatos apresentados por profissionais do setor na rede de apoio às mulheres que passaram por situações de assédio no mercado cervejeiro brasileiro, uma iniciativa criada pelo Science of Beer em junho. A ação do instituto foi motivada após acontecimentos no mercado cervejeiro dos Estados Unidos, com a realização de várias denúncias após campanha de Brienne Allan, que trabalha na Notch Brewing. Saturada de tantos casos de sexismo no seu dia a dia, ela pediu para que mulheres compartilhassem suas más experiências no segmento através da sua rede social.

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Uma pergunta de Brienne trouxe à tona relatos de preconceitos que enojam, mas não surpreendem. E o cenário assombroso dos Estados Unidos não é tão diferente ao do Brasil, como indicam relatos recebidos pelo Science of Beer. Afinal, o sexismo está presente na sociedade e, consequentemente, no mercado de trabalho.

Para se ter uma dimensão do problema, a pesquisa Percepções Sobre a Violência e o Assédio Contra Mulheres no Trabalho, do Instituto Patrícia Galvão, uma organização feminista que atua há 20 anos nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação, indicou que, em 2020, 76% das participantes já passaram por um ou mais episódios de violência e assédio no trabalho.

E o mercado de cerveja artesanal no país se insere em um contexto de presença majoritária (87%) masculina, de acordo com o 1º Censo das Cervejas Independentes Brasileiras, realizado pela Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva).

“Comigo já aconteceu algumas vezes. Já recebi fotos íntimas não solicitadas de pessoas do meio cervejeiro e já recebi falas ou toques inconvenientes que utilizavam a objetificação como foco e já presenciei muitos casos com mulheres colegas de trabalho, desde agressões verbais a assédios físicos”, revela Amanda Reitenbach, CEO do Science of Beer, em entrevista ao Guia.

Amanda lembra que, além de ocuparem um espaço menor dentro do mercado de trabalho, as mulheres apresentam constantemente relatos de sexismo. “Nós que estamos em vários grupos de mulheres e tentando fazer essa rede de apoio, temos escutado diversos relatos de assédio, como em sala de aula, concursos e eventos cervejeiros. Mostrando que todos os ambientes não estão livres disso.”

De acordo com Amanda, a cultura do assédio, violência, sexismo e objetificação da mulher, mesmo que não explicitamente, acaba sendo vivenciada dentro do universo cervejeiro. “Hoje, o homem machista entendeu que ele não ‘pode’ sair explicitamente falando suas convicções, e acaba achando apoio dentro desses grupos [como no WhatsApp] e outros ambientes, compartilhando essas agressões.”

No ano passado, a discussão em torno do preconceito dentro do segmento no Brasil ganhou um pouco mais de atenção após serem vazadas mensagens com conteúdo chulo, que envolviam misoginia, racismo, xenofobia e sexismo em um grupo de WhatsApp com referências do setor, o que provocou a renúncia de Carlo Lapolli, até então presidente da Abracerva, assim como dos demais membros da sua diretoria.

A Abracerva, então, realizou uma nova eleição com, pela primeira vez na história da associação, a presidência ficando a cargo de uma mulher, Nadhine França. E uma das ações iniciais da nova diretoria da entidade foi a implementação do seu primeiro código de ética.

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Mas e as mudanças?
A CEO do Science defende que, para início de uma mudança que de fato gere impacto no setor, também é essencial que exista uma política de conscientização e educação dentro das cervejarias, eventos e instituições. Amanda destaca que ações do tipo precisam respeitar o lugar de fala das mulheres. “Isso precisa vir de vozes femininas, pois não adianta um homem que não passa por isso criar um estatuto ou regras que protejam as mulheres.”

Enquanto isso não acontecer, Amanda acredita que as mulheres continuarão sem espaços para serem ouvidas no segmento cervejeiro. E sugere que as empresas contratem consultoria de mulheres especializadas, como uma política de conscientização e educação.

“O que a gente vê, principalmente depois dos relatos no Brasil, EUA e outros países, é que as instituições continuam a apoiar os abusadores, sem qualquer política de informação e reeducação. E essas pessoas continuam por aí, cometendo esses assédios em outros lugares. Por isso, o assunto é de extrema urgência e importância”, alerta.

Já a orientação de Amanda para uma mulher que esteja passando ou que já tenha sofrido assédio é de que registre um boletim de ocorrência. “Está inserido na nossa socialização e dentro de um ambiente que falamos sobre consumo de bebida alcoólica, o que por vezes pode estimular esses comportamentos. Acho lamentável, e quando aconteceu comigo, sempre registrei o boletim de ocorrência. Não os deixem impunes, denunciem!”.

Confira relatos de mulheres que participaram da ação do Science of Beer (as identidades foram preservadas):

Sou sommelière, fui convidada a trabalhar em um evento grande e fiquei muito animada com isso. O dono da cervejaria “condicionou” minha ida a ficar no mesmo quarto que ele, enfatizando que só tinha uma cama de casal. Não fui.

Sommelière

Onde eu trabalhava, era comum os sommeliers de cerveja da casa serem contratados para executar palestras em outras empresas, como uma ação de relacionamento ou institucional. Quando eu era escalada, era obrigada a ouvir as piadinhas de sempre, de como pode uma mulher entender de cerveja e blá, blá, blá, até o dia que um dos participantes do evento veio até mim e perguntou se ele assistisse a palestra até o final poderia me levar para o quarto dele de brinde. Chegou a perguntar o número do meu quarto para a recepção do hotel. Mal consegui dormir naquela noite e nunca tive coragem de denunciar a empresa e o cara.

Sommelière

O #MeToo nos EUA
Brienne Allan, a mulher que deu início ao movimento #MeToo na indústria da cerveja dos EUA, trabalhava na construção de uma nova taproom da Notch Brewing e começou a se sentir frustrada com comentários sexistas de homens no local. Então, ela desabafou em publicação no Instagram, pediu para outras pessoas relatarem situações parecidas e recebeu mais de 1.000 histórias de mulheres que sofreram discriminação parecida.

Uma reportagem no Boston Globe contou que a reação do setor norte-americano veio e diversos membros da indústria pediram demissão em meio a denúncias nas redes sociais de que agiram de forma inadequada. Outros foram acusados de não terem respondido às denúncias de má conduta feitas por vítimas.

Entre os executivos de cervejarias acusados e que renunciaram aos seus cargos, de acordo com a reportagem, estão os fundadores da Tired Hands Brewing Co., da Modern Times Beer e da Copenhagen’s Dry & Bitter Brewing Co.

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