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Entrevista: “A água pode fazer uma boa cerveja ótima ou ruim”

John Palmer é autor de How to Brew, visto como fundamental por quem decidiu iniciar a produção caseira de cervejas

Malte, lúpulo e leveduras estão entre os ingredientes básicos da cerveja, mas nenhum é mais importante do que a água. Fundamental, mas ainda assim o mais incompreendido de todos esses componentes por sua sutileza, na visão de John Palmer, o que o levou a abordá-lo em um livro que chegou neste ano ao mercado brasileiro: Água, escrito em parceria com Colin Kaminski.

Reconhecido como uma das principais figuras do mercado cervejeiro mundial, ele também é autor de How to Brew, obra vista como fundamental por quem decidiu iniciar a produção caseira. Agora, John Palmer decidiu se concentrar no papel da água no processo produtivo da cerveja, principal tema desta entrevista ao Guia.

Ao abordar a química da água nas respostas à reportagem, John Palmer valoriza o seu tratamento para a produção cervejeira, mas alerta que se prender a conceitos como o do pH pode provocar erros se o quadro completo não for analisado no processo de fabricação. E faz uma interessante comparação ao apontar que os cuidados e efeitos da água na produção cervejeira são os mesmos daqueles obtidos no processo de cozimento de alimentos.

A água pode fazer uma boa cerveja ótima, e pode fazer uma boa cerveja ruim; da mesma forma que salgar demais o jantar pode arruiná-lo ou torná-lo adorável

John Palmer

Assim, ele aponta que o mais fundamental para o cervejeiro é compreender a química da água. E, para auxiliar quem empreende no setor, colocou sua experiência no livro escrito ao lado de Colin Kaminski após se debruçarem por mais de dois anos em experimentos e visitas a fábricas, como relata nesta conversa, em que também aborda questões de sustentabilidade e relembra bons momentos vivenciados no Brasil.

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Confira, abaixo, a entrevista do Guia com John Palmer, um dos autores de Água, livro lançado nos primeiros meses de 2021 no Brasil pela Editora Krater.

Como seu livro pode ajudar os cervejeiros? É mais voltado para quem já trabalha em fábricas ou também pode ajudar quem produz sua cerveja em casa?
Muitos cervejeiros, mesmo cervejeiros experientes, não entendem a química da água e o pH. Mesmo que realizem o ajuste da água, com adições a ela ou ao mosto, provavelmente estão apenas medindo o pH como seu controle de qualidade, ao invés de compreender o quadro geral. É uma abordagem de marreta para um pequeno problema de martelo. O livro Água explica o quadro geral e como todas as peças se encaixam nele. O benefício para o cervejeiro é que ele pode fazer pequenos ajustes para resolver problemas específicos com sua água e a cerveja. Eu comparo isso a ter um vazamento no vaso sanitário e a contratação de um encanador para substituí-lo quando tudo que o dono da casa precisava fazer era comprar uma nova válvula de retenção por US$ 3 na loja de ferragens e instalá-la.

As informações do livro Água foram escritas para serem abrangentes, para serem capazes de atender às necessidades de cervejeiros industriais e caseiros. Um cervejeiro caseiro não precisará de alguns dos capítulos do livro, como tratamento de águas residuais ou dos detalhes extremos de alcalinidade Z, mas os detalhes estão lá para quem precisar.

A literatura sobre cerveja tende a focar mais em temas como lúpulo, malte e estilos, por exemplo. Você acredita que a água é um assunto ainda pouco explorado? E qual é a razão disso?
Malte e lúpulo (e leveduras) são os sabores principais da cerveja, e fazer experiências com eles traz resultados mais claros. A água é mais sutil. Muitos cervejeiros tentam manter um mistério, dizendo que “essa cerveja é feita com uma água especial que só está disponível para a nossa cervejaria” – isso é marketing. E entender a água como um ingrediente requer um pouco de lição de casa, aprender sobre a ciência. Mas depois de fazer isso e experimentar algumas cervejas para entender, isso faz sentido. Sempre digo que cerveja e fazer cerveja é como comida e cozinhar, porque é isso. Você usa a água exatamente da mesma maneira em ambos! Mas as pessoas ficam desencorajadas pela química. A água é um ingrediente muito importante e seus efeitos são sutis. Ajustar a água pode fazer uma boa cerveja ótima, e pode fazer uma boa cerveja ruim; da mesma forma que salgar demais o jantar pode arruiná-lo ou torná-lo adorável.

Como foi o desafio de organizar tantas informações sobre a água no processo de produção do seu livro?
Foi um desafio muito grande. Passamos 2 anos visitando cervejarias e aprendendo o que faziam, como faziam e por que faziam. Em seguida, tivemos que organizar essas experiências e informações em objetivos e métodos comuns. Muitos testes foram feitos para provar nossa hipótese. Estou sendo sincero quando digo que a publicação foi adiada por 2 meses enquanto realizávamos testes para verificar nossas ideias e conclusões. O editor me ligava duas vezes por semana para perguntar se eu já tinha terminado, e eu tinha que dizer: “Não, preciso fazer mais testes neste fim de semana, se funcionar, então saberei mais.” Isso continuou e continuou, até que eu finalmente entendi como o sistema funcionava e pude terminar. Colin e eu aprendemos muito escrevendo este livro.

Pela sua experiência, quais são os erros mais comuns no tratamento da água pelas cervejarias? E como evitá-los?
O grande erro é tentar ajustar a água com base no pH da água – isso está errado. É o conteúdo mineral da água e os efeitos que esses minerais têm no mosto é que são importantes. Outros erros são adicionar cegamente ácidos e sais à água porque “foi assim que (outra pessoa) fez”. Os sabores da cerveja são sutis e diferentes regiões têm diferentes químicas da água. Não existe uma resposta correta sobre como tratar a água para fazer uma boa cerveja. É verdade que adicionar sulfato de cálcio geralmente é uma boa ideia, mas quanto? Essa é a questão, e depende da água que você tem. A maneira de evitar esses erros é ler o livro! Aprenda como funciona a química da água, realmente não é muito complicado, e a maioria dos softwares de cerveja fará os cálculos para você. Você só precisa entender o que precisa ser feito e por quê.

Temos acompanhado alguns relatos de escassez de água em várias regiões do mundo, como em parte da Califórnia, que tem muitas cervejarias. Como você acha que esse problema global pode afetar a indústria cervejeira?
A escassez de água na Califórnia e em outros estados é sempre um problema. Os fabricantes de cerveja fizeram um bom progresso na redução do uso de água e na sustentabilidade e, na verdade, usamos menos água do que muitas outras indústrias alimentícias. A parte complicada disso é que a composição da água é importante para o sabor da cerveja, e obter a mesma composição mineral de forma consistente é um problema. A solução é usar sistemas de osmose reversa para retirar todos os minerais da água e, em seguida, reconstruí-la com os sais apropriados. É caro, mas garante uma qualidade consistente da cerveja, semana a semana, mês a mês, e isso não tem preço. A qualidade e a sustentabilidade da água são problemas globais e a solução é se ter responsabilidade de todas as indústrias, não apenas das cervejarias. O escoamento da produção agrícola é um poluente primário que afeta a qualidade da água e o sabor da cerveja. Todos precisam entender que somos parte de um todo, que não podemos presumir que o que fazemos em nosso próprio quintal não afeta outras pessoas.

Você é uma das principais referências sobre cerveja no mundo. Como avalia o setor e as cervejas do Brasil?
São muito excitantes. Sempre estou ansioso para visitar o Brasil e experimentar novos estilos e ver as mudanças na cultura cervejeira. Algumas das melhores cervejas que já provei foram concebidas e produzidas no Brasil. Comida, cerveja e festas! Jamais esquecerei meus tempos em Ouro Preto, em Porto Alegre, em Santa Maria e no Rio de Janeiro! Muitos estados, muitas culturas, todas maravilhosas!

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